Cultura



Por: Marina Azevedo












Em terras serranas, quem tem Bordaleiras é rei



A Serra da Estrela é um local de bons pastos e de muita pastorícia. Muitas das pessoas desta região ainda se ocupam a tratar de abonados rebanhos. Este acaba por ser o modo de subsistência de muitos e uma atividade tradicional importante. Todos os que visitam a serra mais alta de Portugal continental procuram iguarias como os enchidos ou o queijo, que ainda hoje é feito à mão. Os segredos da confeção são passados de geração em geração.

Na serra é possível encontrar vários tipos de plantas. Algumas delas garantem alimento a muitos rebanhos da zona. Até aos 800/900 metros de altitude é comum ver-se a azinheira, o azereiro, o medronheiro, a urze branca ou torga, o pinheiro bravo e o castanheiro. Dos 800 aos 1600 metros predomina o carvalho padro, o roble, a giesteira das sebes, a giesteira branca e o feto ordinário. Acima dos 1500 metros há o zimbro e os cervunais. O zimbro é muito apreciado pelas ovelhas. É uma planta com vagas que assumem tonalidades diferentes de acordo com o grau maturação. Primeiro são verdes, depois vermelhas e por fim pretas.

Nesta zona muita gente tem rebanhos e todos os pastores se fazem acompanhar de cães “Serra da Estrela”. Esta é uma raça portuguesa que surgiu na região e que foi ganhando características muito próprias. É um cão inseparável do pastor, bem entroncado, olhar calmo e expressivo. É agressivo para os estranhos mas é muito doce para quem conhece.


Cão "Serra da Estrela"


Todos os dias as ovelhas têm que sair para pastar. Esteja frio ou esteja calor, os pastores têm que as levar montanha acima. Para isso protegem-se com grossos capotes de lã. Já diziam os antigos “o que tapa o frio, tapa o calor.” Como a lã é impermeável evita também que se molhem. Antigamente só havia duas tonalidades e dois padrões. Castanho-escuro ou bege. Às riscas ou xadrez. Antes o tecido era conhecido como rubeco, hoje chama-se burel. O burel é hoje um tecido muito utilizado. Está na moda usaram roupas deste tecido.
Antigamente, os pastores usavam também safões, que eram umas proteções feitas de pele e lã para resguardar as pernas. Faziam mantas, chapéus e rodilhas. As rodilhas serviam para as mulheres levarem “as coisas à cabeça”, enquanto “no colo levavam os filhos”, conta Vanessa Carriço, guia do Museu do Queijo de Peraboa.



                                                                Capote utilizado pelo pastor



Desde que há memória, o Homem assiste a migrações de vários animais em busca de comida. Depois da Revolução Neolítica os pastores optaram por domesticar rebanhos e partir à descoberta de alimento.

A transumância assumiu-se, em muitas regiões do Globo, como um modo de vida e um sistema de produção pecuária de grande relevância do ponto de vista socio-económico. A movimentação regular e periódica dos rebanhos acontecia para que houvesse sempre recursos disponíveis para a subsistência dos animais. Alguns dos percursos eram muito longos, o que obrigava o pastor a estar muito tempo ausente de casa. Levava uma cabana portátil e lá se abrigava com o cão. Esta prática manteve-se até aos anos 70.



                                                        Cabana portátil (Abrigo do pastor e do cão)

Para proteger o cão dos lobos, os pastores criaram uma coleira de picos, feita em metal. Quando o lobo atacava o pescoço do cão acabava por se ferir e desistia. Era preciso proteger o cão. Se o cão fosse atacado, o próximo alvo seriam as ovelhas.


Coleira de Picos


Os animais eram identificadas pelas chavelhas. A chavelha era um objeto, normalmente feito em madeira, que trancava a coleira. Todas eram diferentes. Cada pastor decorava a madeira com desenhos diferentes, a fim de identificar os animais do seu rebanho. Muitas das chavelhas eram feitas enquanto as ovelhas pastavam. Funcionavam como um entretenimento para o pastor.


Chavelhas


Para chamar as ovelhas usava-se o chocalho. Os sons produzidos por eles dependiam do material em que era feito e do tamanho do balado.

O reboleiro, um chocalho de grandes dimensões, era pendurado no animal para “de uma forma cruel entregar a ovelha ao lobo.” A ovelha em que este tipo de chocalho era colocado, “era velha e já não acompanhava o rebanho ao mesmo ritmo.” Como o chocalho era maior e mais pesado, ela não conseguia correr tanto, ficava mais para trás e quando vinha o lobo atacava-a. Como o lobo ficava saciado, não atacava as outras, logo o prejuízo era menor, conta Vanessa Carriço, guia do Museu do Queijo de Peraboa.


Chocalhos

Hoje em dia este tipo de chocalho é usado para a ovelha “gulosa”, que é aquela que vai sempre à frente e que gosta de “roubar as hortas cultivadas”, conta a guia. Como este tipo de chocalho produz um som diferente, o pastor consegue saber onde ela está. Como é mais pesado, ela não pode correr tanto e acaba por se manter mais próxima dos outros animais.

Quem tem um rebanho pode controlar a criação de borregos através de chapeletas. As chapeletas são postas nos carneiros como forma de proibir a reprodução. Coloca-se uma corda e prende-se à barriga. Nove meses antes do Natal tira-se pois o objetivo é ter muitos borregos para venda.

Quando se quer aumentar o universo de animais, é preciso começar a fazer o desmame dos borregos. Para isso usa-se um barbilho que é colocado dentro da boca do animal. Este objeto permite que ele coma mas não permite que faça a sucução do leite da mãe. Isto tem que se fazer obrigatoriamente, caso contrário eles mamam sempre, não só na mãe mas em todas as ovelhas.


Barbilho e Chapeleta


Outrora as ovelhas eram tosquiadas com tesouras bastante rudimentares. Agora a tosquia é feita com máquinas. Quando se feria uma ovelha com a tesoura punha-se cinza fria, pois é cicatrizante. A tosquia é uma tarefa obrigatória todos os anos. Se os animais não forem tosquiados acabam por deixar de comer pois só querem estar à sombra, por causa do calor que a lã provoca.

Depois deste processo a lã é vendida, transformada em tecidos e aplicada em diversos artigos. Os produtos etiquetados como sendo de “pura lã virgem” não são feitos de uma lã qualquer. A lã virgem é a lã que é tirada na primeira tosquia (de todas) do animal. É uma lã extremamente macia e mais fina.

Mas não é só a lã que move o pastor. O principal objetivo de criar as ovelhas é tirar-lhes o leite para fazer o tão tradicional queijo “Serra da Estrela”. Na região são muitas as queijarias e muitas as queijarias. O queijo assume um papel muito importante na cultura desta região. Além de satisfazer o paladar de muitos turistas, é parte integrante na alimentação das pessoas da região.

Acredita-se que a primeira produção de queijo tenha ocorrido acidentalmente por volta de 6000-7000 a.C. Conta-se que um viajante arábico, ao fazer uma pausa para se alimentar e restabelecer forças ,depois de uma longa caminhda, percebeu que o leite que  carregava num cantil, feito de estômago de carneiro, tinha coagulado. Ao cortar o cantil, verificou que em vez de leite tinha uma coalha branca, de sabor agradável.

Os egípcios foram um dos dos primeiros a inserir na sua alimentação o leite  e o queijo. Começaram a cuidar do gado de forma a que ele desse leite suficiente para fazer queijos.
A produção de queijo também pode ter surgido por uma questão de preservação do leite coalhado através da prensagem e da adição de sal.

Os gregos eram muito apreciadores desta iguaria. O queijo era dado a comer em banquetes, a classes priviligidas. Foram os pioneiros no que toca à introdução de ervas aromáticas nos queijos.

Os romanos transformaram o queijo numa iguaria indispensável nas refeições da nobreza e nos banquetes. Foram eles que desenvolveram o comércio do queijo, pois comecaram a importar queijos da Suiça. Com a queda do Império Romano o queijo ganhou, na Europa, uma maior diversificação.

No século XIX houve um aumento do consumo do queijo e o fabrico passou a ser industrial e pasteurizado.  O processo de pasteurização é utilizado para destruir microorganismos.  Louis Pasteur, descobriu no ano de 1864 que ao aquecer certos alimentos e bebidas acima dos 60ºC por um determinado tempo, e se baixasse bruscamente a temperatura do alimento evitando a sua deterioração, reduzia significativamente o número de microorganismos presentes. A primeira fábrica de produção industrial abriu, em 1815, na Suiça.

O leite utilizado no fabrico do queijo “Serra da Estrela” é tirado exclusivamente da raça de ovelhas conhecida por Bordaleira ou Churra Mondegueira. A ordenha deve ser feita sem paragens, num ambiente seco e asseado, tranquilo, sem humidade e longe de outros animais. Para que a produção de leite seja constante as ovelhas têm que ter crias todos os anos, o que acontece normalmente no final do verão.

Este leite possui normalmente uma coloração branca intensa e homogénea. O seu sabor é levemente adocicado e suave, com um aroma muito próprio. Contém glóbulos pequenos de gordura que faz com que apresente uma textura cremosa. É um leite rico em proteínas, minerais e vitaminas. Para se produzir um quilo de queijo são necessários cerca de cinco litros de leite.

A Bordaleira pode ser branca ou preta. As fêmeas têm entre 50 a 55kgs e os machos de 80 a 100. Apresentam uma pele fina, elástica e untosa. A lã é pouco ondulada e suave. Têm olhos grandes, face comprida, lábios grossos e cornos em ambos os sexos. Os cornos são enrolados e rugosos, fortes na base, finos e mais claros nas pontas.


Ovelha Bordaleira ou Churra Mondegueira

Para fazer um bom queijo é necessário ter sempre as mãos frias e recorrer a dez etapas fundamentais:

1. Ordenha: tira-se o leite da ovelha. A recolha tem que ser feita de manhã, antes de nascer o sol, e à noite logo que o rebanho recolha.
Pedro Castro Henriques descreve no “Grande Livro do Queijo Serra da Estrela” que o leite é “ordenhado à noite e alta madrugada, pelas quatro ou cinco horas, daí dizer-se, na Idade Média, que o queijo Serra da Estrela era ‘todo feito à candeia’”. Os pastores ainda hoje se levantam muito cedo para ordenhar os animais.

2. Filtração: o leite é coado para uma cuba para filtrar as impurezas.

3. Aquecimento: deve-se aquecer o leite até cerca de 30ºC para que as proteínas do cardo atuem sobre as caseínas (proteína do leite). Com esta temperatura é-lhe adicionado o sal e a flor do cardo seca e moída. O cardo é uma planta existente na região que permite o processo de coagulação.

                                
                                                              Cardo seco 
Foto retirada de: http://marcelokatsuki.blogfolha.uol.com.br/files/2012/02/qse12-cardo1.jpg

4. Sal e Cardo Moído: o sal e o cardo são misturados com um almofariz. O sal além de apurar o sabor da pasta, conserva o queijo.

5. Coagulação: o processo de coagulação do leite, com cardo, demora 60 minutos. O leite solidifica e apresenta alguma resistência.

6. Corte da coalhada: aqui dá-se início à separação da massa do soro. O corte da coalhada é determinante. Cada tipo de corte resulta num queijo com características finais diferentes.

7. Prensagem: A coalhada é trabalhada à mão, até esgotar o soro. A pasta é colocada num acincho (molde redondo) furado por onde escorre o soro. A coalhada é espremida na francela (mesa de madeira com um bico que permite o escorrimento do soro)  e pressionada com uma rodela de madeira. Este processo tem que ser feito obrigatoriamente à mão. O soro que resulta deste processo é aproveitado para fazer requeijão.


Francela e Acinho



        8. Salga: Quando o queijo está pronto barra-se com sal nas duas faces e nas paredes.     Envolve-se numa tira de pano ou ligadura.

  9. Cura: O queijo fica a fermentar num local frio e húmido durante mais ou menos 30    ou 40 dia, até ficar curado.

  10. Lavagem: o queijo é limpo e lavado com água morna. Todos os dias se muda o pano onde está colocado.

O queijo “Serra da Estrela” é produzido durante todo o ano. Tem a forma de um cilindro baixo, regular, dimensões entre 15 a 20 centímetros de diâmetro por 4 a 6 cm de altura. É amarelo e maleável. A pasta é semi-mole, amanteigada, bem ligada e macia. É um queijo cremoso e untuoso, com poucos ou nenhuns olhos. Tem um aroma muito característico e pode ter entre meio quilo e 1 quilo e 700 gramas.

Queijo "Serra da Estrela"
Foto retirada de: http://marcelokatsuki.blogfolha.uol.com.br/files/2012/02/qse12-cura2.jpg



Em Peraboa, freguesia da Covilhã produz-se também Queijo “Serra da Estrela” versão Kosher, destinada à comunidade judaica ortodoxa, com alguma expressão na região.  Este queijo repeita os princípios judaicos que proibem a mistura de leite com carne, por isso os coalhos são sempre de origem vegetal. A queijaria de Perabora é única do país que é  certificada neste campo. Toda a fábrica é limpa de acordo com a lei judaica com vista a garantir que o queijo não tenha qualquer contacto com a qualquer enzima animal.

Nesta região serrana são muitas as lojas de comércio tradicional com produtos regionais à venda. Os enchidos, os queijos, as peles e os artigos feitos em lã são o que enchem a maioria das prateleiras. Ninguém resiste a provar um queijo “Serra da Estrela” quando visita a região, mas nem todos sabem como o partir nem como conservar.

“Deve-se comer o queijo à fatia”.  Se abrimos uma tampa em cima, como muita gente faz, provamos só a parte do meio que é onde está a “virtude”. No entanto se o fatiarmos “estamos a saborear todos os sabores do queijo”. Além disso, se o partirmos em fatias “conseguimos aproveitar mais” porque a crosta também se pode comer. Aberta uma tampa, o queijo está mais exposto, tem mais contacto com o ar, cura mais rápido e crosta fica mais grossa. Como muita gente não come a crosta acaba por se “aproveitar menos o queijo”, explica Vanessa Carriço.  

Para melhor conservar a iguaria, esta não deve ser metida no frio, mas numa local seco e limpo, sem qualquer tipo de proteção. A degustação deve ser acompanhada por pão e vinho tinto. O quilo de queijo custa 17€/Kg. (Preço  baseado na loja online da Casa da Ínsua).
A área geográfica correspondente à produção do queijo “Serra da Estrela” certificado compreende os concelhos de Carregal do Sal, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia, Mangualde, Manteigas, Nelas, Oliveira do Hospital, Penalva do Castelo e Seia e algumas freguesias dos concelhos de Aguiar da Beira, Arganil, Covilhã, Guarda, Tábua, Tondela, Trancoso e Viseu.

Além desta iguaria ser um dos motores do comércio tradicional desta região serrana, o queijo faz parte da cultura destas populações. Todo o processo de fabrico dos queijos, o modo de lidar com grandes quantidades de animais, o aproveitamento dos recursos naturais e daquilo que as ovelhas dão, é já uma tradição que é passada de pais para filhos.

Este acaba por ser o único trabalho de muitos e uma singularidade da região. Os pastores são cada vez menos, mas o número de animais ainda são suficientes para garantir o fabrico dos queijos durante todo o ano. A cultura da “Serra da Estrela” é apreciada não só pelos Portugueses mas por muitos estrangeiros que procuram conhecer esta zona do nosso país.


                                                                                                            05-06-2014








Camilo Castelo Branco, um vulto da 

literatura portuguesa


Retrato de Camilo Castelo Branco

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em Lisboa a 16 de Março de 1825 e foi batizado na igreja dos Mártires. O escritor era filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, descendente de uma família burguesa oriunda de Trás-os-Montes. Ficou órfão cedo. Aos dois anos perdeu a mãe e aos dez o pai.

Depois da morte deles, Camilo e a irmã Carolina, foram para Vila Real e ficaram sob a responsabilidade de uma irmã do pai de nome Rita Emília que nunca se revelou muito carinhosa com os dois irmãos.

Em 1839, Carolina casa com um futuro médico chamado Francisco José Azevedo e Camilo passa a viver com eles em Vilarinho da Samardã. Aí recebe formação a nível cultural com o Padre António de Azevedo que era irmão do seu cunhado. Com ele aprendeu a doutrina cristã, língua portuguesa, latim e francês.

A 18 de Agosto de 1841, com 16 anos, casa com Joaquina Pereira da França, camponesa de Friúme, concelho de Ribeira de Pena, que na altura era amanuense, ou seja, copiava textos à mão. Camilo teve então a sua primeira filha que nasceu a 25 de Outubro de 1841. Joaquina Pereira França morre prematuramente seis anos após o casamento e a filha morre depois com 5 anos.

Camilo era um romântico por isso facilmente se apaixonava. Foi um homem de muitos amores.

Apaixona-se por Patrícia Emília e desse amor, Camilo teve a sua segunda filha – Bernardina Amélia.

Depois envolve-se com D. Eufrásia Carlota de Sá que era viúva e que tinha uma filha. Em 1850, a senhora hospedou-se na casa de Camilo e a filha Bernardina Amélia foi viver com eles. Depois disso a menina foi para o Convento da Avé Maria, local onde hoje é a Estação de São Bento, no Porto.
Depois de a menina entrar no convento, Camilo ia visitar regularmente Bernardina e acabou por se apaixonar por uma freira, Isabel Cândida Mourão. A religiosa retribuiu o sentimento e até aceitou receber e educar a sua filha até esta se casar com o brasileiro António Francisco de Carvalho, na igreja de Valbom em 28 de Dezembro de 1865.

Depois fala-se que Camilo frequentava a casa da poetisa Maria da Felicidade do Couto Browne, casada com Manuel Clamouse Browne e que com ela teve também um amor platónico.

Camilo teve ainda um outro amor por uma costureira do Candal que deu origem ao livro “Onde está a felicidade?”, publicado em 1856
.
Fanny Owwn, filha do coronel Hujo Owen, era grande amiga de Camilo e é provável que o tenha, também ela, se apaixonado por Camilo, mas acabou por falecer tuberculosa a 30 de Agosto de 1854.

Camilo chega a pensar tirar o curso de Medicina e chega mesmo a matricular-se na Escola Médico – Cirúrgica do Porto e a frequentar entre 1842 e 1845 mas em 1846, muda-se para Coimbra para estudar Direito, não chega a iniciar o curso e volta para Vila Real.
Depois resolve ir para o Porto e passa a ganhar a vida como jornalista. Na cidade Invicta decide matricular-se no Seminário da diocese com o objetivo de ser padre, mas desiste meses depois. Volta à rotina que se dividia em cafés, teatros, salões da burguesia portuense e as redações dos jornais e é nesta altura que conhece Ana Augusta Plácido num baile. Ana Plácido era casada com um comerciante regressado do Brasil, Manuel Pinheiro Alves, apaixonaram-se e fugiram juntos para Lisboa.

No livro “Cenas Inocentes da Comédia Humana”, Camilo descreve a primeira vez que viu Ana Plácido: “vestias de branco, caia-te da cintura aos pés uma faxa de seda em ondulações, enastravam-te os cabelos efeites de fitas escarlates, tão graciosos como simples."
"Era a mulher doméstica por excelência; o anjo tutelar da família; era a dona, a dirigente da sua casa e a enfermeira da família física e moralmente", reconhece mais tarde o escritor numa das suas publicações.
Em Julho de 1859, Ana Plácido é posta em reclusão no Convento da Conceição de Braga por adultério (que na altura era crime) mas acaba por fugir ao fim de pouco mais de um mês e depois é presa na Cadeia da Relação do Porto. Camilo anda fugido mas entrega-se às autoridades 4 meses depois porque não conseguia estar longe dela. Camilo escreveu que foram “390 noites à espera do julgamento” mas acabaram por ser absolvidos e acabaram por ir viver para Lisboa, onde tiveram o primeiro filho – Jorge. (28.06.1863).

Pinheiro Alves, ex-marido de Ana Plácido, acaba por falecer a 15 de Julho de 1863 e deixa ao seu suposto filho Manuel uma casa situada em São Miguel de Ceide, em Vila Nova de Famalicão. Suposto filho porque se suspeitava que Manuel Plácido era filho de Camilo e não de Pinheiro Alves
.
Em 1864, Camilo e a família vão então viver para essa casa, e no mesmo ano têm mais um filho – Nuno. Com uma família para sustentar, Camilo Castelo Branco faz da escrita o seu “ganha-pão” pois nesta altura o futuro dos seus filhos preocupava-o muito.

Manuel depois de uma tentativa falhada de ser comerciante em Angola acaba por ter uma vida de excessos e boémia morrendo em 1877, aos 36 anos.

Ao outro filho Nuno, Camilo arranja-lhe um casamento. É ele quem escreve as cartas para a rapariga e ela apaixona-se. Casam-se na igreja de Maximinos, em Braga, mas Nuno acaba por ficar viúvo pois a mulher morre com uma pneumonia. Perde a cabeça e  gasta a fortuna de 30 mil reis no jogo e fica na miséria. Depois morre mas deixa 7 filhos de outra senhora.

Jorge o outro filho de Camilo e Ana Plácido, desde muito pequeno que dava sinais de perturbação mental e lentamente viram-no mergulhado num grave estado de demência. Apesar disso era um artista pois desenhava muito bem. Ainda hoje na Casa-Museu Camilo Castelo Branco estão expostos vários desenhos dele. O pai gostava muito dele, era o filho protegido. Apesar de louco, Jorge sabia tocar flauta e fazia-o normalmente debaixo de uma árvore que ainda hoje existe.



                                          Árvore debaixo da qual Jorge tocava flauta


Só depois de vários anos juntos é que Ana Plácido e Camilo Castelo Branco se casam. (9.03.1888) Pouco tempo depois o escritor adoece e fica cego. Camilo tem nesta altura muito medo de ficar louco como o filho Jorge.
A casa de Seide de São Miguel é onde Camilo vive os últimos 27 anos da sua vida. A casa sofreu um incêndio em 1915 mas foi reconstruída e em 1922 passou a ser uma escola primária. Apesar do incêndio que destruiu parte da casa ainda hoje estão em exposição vários móveis originais. Alguns foram vendidos por Camilo, por necessidade, mas depois (alguns deles) foram doados pelos detentores ao museu, como é o caso de um móvel vendido a José Régio, escritor de Vila do Conde.



                                          Móvel doado por José Régio à casa-museu



O quarto de dormir de Camilo situava-se mesmo em frente à Biblioteca, onde escrevia, principalmente durante a noite. O espaço era dividido em duas partes por uma parede. De um lado dormia Ana Plácido, do outro ele. Mas Ana Plácido mandou deitar a parede abaixo para estar mais próxima de Camilo porque ele estava permanentemente a queixar.-se. Era hipocondríaco, ou seja, tinha a mania das doenças e chamava-a muito.

                                           Quarto de Camilo e de Ana Plácido


Camilo fazia questão de ter também uma sala destinada a receber os seus amigos. Camilo era grande amigo de José Barbosa e Silva, Fundador do jornal “Aurora do Lima”, de Doutor Ricardo Jorge, de Francisco Correia, amigo lá da zona (tocava viola), de um pintor portuense Silva Porto, etc. Quando estava a ficar cego, os amigos deixaram de o visitar e Camilo escreveu o seguinte poema para eles:


" OS AMIGOS "

Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quasi rotos.

Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!



Manuscrito do Poema "Os amigos"


Camilo era grande amigo de António Feliciano de Castilho, o único que o visitava quando ficou cego. Castilho era poeta e ficou também cego aos 6 anos depois de ter tido sarampo. Camilo conversava muito com ele e este tinha o tique de rasgar papelinhos enquanto falava.


                                            Papelinhos rasgados por Castilho


Camilo foi o primeiro profissional a viver da escrita, por isso quando ficou cego ficou sem forma de sustentar a família. O escritor começou a vender aquilo que podia devido às dificuldades económicas que começou a ter.
O romancista vendeu uma mesa de bilhar que tinha na sala onde recebia os amigos, móveis e cerca de 4 mil volumes da sua biblioteca. Numa das cartas que trocou com Castilho dizia-lhe que cada livro que vendia era “um golpe no coração”. Hoje parte da sua biblioteca encontra-se no Rio de Janeiro e outra parte está dispersa.
Segundo Cândida Faria, guia da casa-museu há 31 anos, os livros e a biblioteca "era o mundo dele."





Biblioteca de Camilo


Camilo não se entendia muito bem com Eça de Queirós, autor de vários livros de escrita realista.
Ana Plácido em forma de provocação chega a dizer a Camilo que ele nunca conseguiria escrever como Eça. Então Camilo, para lhe provar que também sabia, escreveu a obra “ Eusébio Macário” e “A Corja”.
No livro “Eusébio Macário” começa a descrever um relógio que ainda hoje está na sala da seguinte forma: «Havia na botica um relógio de parede, nacional, datado de 1781, feito de grandes toros de carvalho e muita ferraria. Os pesos, quando subiam, rangiam o estridor de um picar de amarras das velhas naus. Dava-se-lhe corda como quem tira um balde da cisterna. Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira, crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à Pompadour, com uma réstia de pedras brancas a enastrar-lhe as tranças. Cada olho era maior que a boca, de um vermelho de ginja. Ela tinha a mão esquerda escorrida no regaço, com os dedos engelhados e aduncos como um pé de perua morta; o braço direito estava no ar, hirto, com um ramalho de flores que parecia uma vassoura de hidrângeas. Este relógio badalara três horas, que soaram ríspidas como as pancadas vibrantes, cavas, das caldeiras da Hécate de Shakespeare.»
Ao fazer este tipo de descrição tão pormenorizada Camilo queria-se aproximar da escrita de Eça de Queiroz para mostrar à sua amada que era capaz.

                                       Relógio descrito na obra " Eusébio Macário"


Ana Plácido costumava fumar charuto no almirante lá de casa, uma coisa muito avançada para a época porque as mulheres não fumavam. Camilo conta que Ana Plácido ia fumar e quando passavam os aldeões ela perguntava os preços a que estavam os produtos.
Camilo dizia que todos os dias sabia o preço do milho e do feijão fradinho. E escrevia: “sei muitas coisas, e espero saber muito mais. E tudo isto que eu sei é-me contado por uma respeitável senhora.”



                                       Almirante onde Ana Plácido fumava charuto


Ana Plácido chega também a escrever “Luz coada por ferros”  e “Herança de Lágrimas” mas usou pseudónimos como Lopo de Souza ou Gastão Vidal de Negreiros. Camilo dizia que “ela era uma escritora sem talento, que a gostava de a ver mais na cozinha”, conta a guia da Casa-Museu, Cândida Faria. Mas mesmo assim a “mulher fatal” de Camilo dedicou-lhe também um poema.


                                                    Retrato de Ana Plácido



A CAMILO CASTELO BRANCO

Passou, meu Deus, foi um sonho
De que é doce o despertar, 
As negras, feias visões, 
Já nem me quero lembrar, 
Tornei a achar o remanso
Do meu tão doce sonhar...


Volto quase à paz serena
Dos meus dias infantis;
O meu anjo me segreda
Mistério… que não se diz,
Vejo o futuro coroado
Pela esperança a que me afiz.

É muito para minh’alma:
Importa da vida o céu:
Sobre os falsos dons do mundo
Lançarei cerrado véu.
Das ambições a mais nobre
É chamar-te um dia meu

                                       Ana Augusta



Camilo tinha uma grande secretária e gostava de escrever de pé. Tinha por hábito fazer comentários a todos os livros que adquiria para a sua biblioteca. Camilo fez críticas a livros como “A Relíquia” de Eça de Queirós, a “Velhice do Padre Eterno”, de Guerra Junqueiro, a “Vozes dos animais”, de Pedro Dinis, entre outros.





Camilo escrevia muito, pois a escrita era o único sustento da família. Além de escritor de romances foi cronista e jornalista de vários jornais de Portugal e do Brasil.
Mais tarde, impedido de ler e de escrever devido a uma cegueira que o atormentou, Camilo entrou num desespero profundo e depois de uma consulta do seu oftalmologista, puxou o revólver e deu um tiro na cabeça, sentado numa cadeira da biblioteca. Morreu logo de seguida. Foi no dia 1 de Junho de 1890, em S. Miguel de Ceide, freguesia do concelho de Vila Nova de Famalicão.


Casa-Museu Camilo Castelo Branco




Cadeira onde Camilo se suicidou 




Réplica do revólver com o qual Camilo se suicidou




A Casa-Museu Camilo Castelo Branco recebeu, em 2006, o prémio de melhor português e pode ser visitado gratuitamente.
Em frente ao museu pode-se visitar também o Centro de Estudos Camilianos, projetado por Álvaro Siza Vieira. O edifício dispõe de um auditório, de salas de leitura, de exposições temporárias, gabinetes de trabalho, cafetaria, etc. O objetivo deste centro de estudos passa por promover e estudar a figura e obra de Camilo Castelo Branco, numa tentativa de preservar o património da instituição, nos campos da bibliografia, da documentação manuscrita, da iconografia e das artes plásticas.


Principais obras de Camilo Castelo Branco:

"Maria Moisés";
"Anátema" (1851);
"Mistérios de Lisboa" (1854);
"A Filha do Arcediago" (1854);  
"Livro negro do Padre Dinis" (1855);
"A Neta do Arcediago" (1856);
"Onde Está a Felicidade?" (1856);
"Um Homem de Brios" (1856);
"O Sarcófago de Inês" (1856);
"Lágrimas Abençoadas" (1857);  
"Cenas da Foz" (1857);  
"Carlota Ângela" (1858);
"Vingança" (1858);
"O Que Fazem Mulheres" (1858);
"O Morgado de Fafe em Lisboa" (1861);
"Doze Casamentos Felizes" (1861);
"O Romance de um Homem Rico" (1861);
"As Três Irmãs" (1862);
"Amor de Perdição" (1862);  
"Memórias do Carcere" (1862);
"Coisas Espantosas" (1862);
"Coração, Cabeça e Estômago" (1862);
"Estrelas Funestas" (1862);  
"Cenas Contemporâneas" (1862);
"Anos de Prosa" (1863);
"Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado" (1863)
"O Bem e o Mal" (1863);
"Estrelas Propícias" (1863);  
"Memórias de Guilherme do Amaral" (1863);
"Agulha em Palheiro" (1863); 
"Amor de Salvação" (1864);  
"A Filha do Doutor Negro" (1864);
"Vinte Horas de Liteira" (1864);
"O Esqueleto" (1865);
"A Sereia" (1865);
"A Enjeitada" (1866);
"O Judeu" (1866);
"O Olho de Vidro" (1866);
"A Queda dum Anjo" (1866);  
"O Santo da Montanha" (1866);
"A Bruxa do Monte Córdova" (1867);
"A doida do Candal" (1867);
"Os Mistérios de Fafe" (1868);
"O Retrato de Ricardina" (1868);
"Os Brilhantes do Brasileiro" (1869);
"A Mulher Fatal" (1870);
"Livro de Consolação" (1872);  
"A Infanta Capelista" (1872) (conhecem-se apenas 3 exemplares deste romance porque D. Pedro II, imperador do Brasil, pediu a Camilo para não o publicar, uma vez que versava sobre um familiar da Família Real Portuguesa e da Família Imperial Brasileira);
"O Carrasco de Victor Hugo José Alves" (1872);
"O Regicida" (1874);  
"A Filha do Regicida" (1875);
"A Caveira da Mártir" (1876);
"Novelas do Minho" (1875-1877);  
"A viúva do enforcado" (1877);  
"Eusébio Macário" (1879);
"A Corja" (1880);
"A senhora Rattazzi" (1880);  
"A Brasileira de Prazins" (1882);
"O clero e o sr. Alexandre Herculano" (1850).


Colaborações em publicações:

·         “Lísia Poética” (1848-49 e 1857);
·         “A Semana” (1850-52);
·         “Miscelânea Poética” (1851-52);
·         “O Cristianismo” (1852);
·         “O Bardo” (1852-54);
·         “O bico de Gás” (1854) – Nº1 e único, todo da autoria de Camilo;
·         “A Cruz” (1854-60);
·         “O Ateneu” (1859-60);
·         “Revista Contemporânea de Portugal e Brasil” (1859-65);
·         “O Civilizador” (1860-65);
·         “Arquivo Pitoresco” (1863);
·         “Jornal das Damas” (1867 e 1872);
·         “Gazeta Literária do Porto” (1868);
·         “Artes e Letras” (1872-75);
·         “Museu Ilustrado” (1878);
·         “A Arte” (1879);
·         “Bibliografia Portuguesa e Estrangeira” (1879-83);
·         “Progresso Católico” (1880);
·         “O Camões” (1880);
·         “Ribaltas e Gambiarras” (1881);
·         “Repúblicas” (1884-86);
·         “Semanário Literário e Artístico” (1884-86);
·         “A Alvorada” (1885-86);
·         “A Semana Ilustrada” (1888);
·         “Revista Ilustrada” (1890);


Foi jornalista nas seguintes publicações:

·         “A Aurora do Lima” – Viana do Castelo (1855-59);
·         “O Clamor Público” – Porto (1856-57);
·         “Comércio de Elvas” (1885);
·         “Comércio Ilustado” (1889);
·         “O Comércio do Porto” (1861-67);
·         “Comércio de Vieira” (1888);
·         “Comércio da Beira” – Castelo Branco (1890);
·         “Correio da Manhã” – Lisboa (1887-89);
·         “Corrreio da Noite” – Lisboa (1889-90);
·         “A Correspondência do Norte” – Braga (1890);
·         “O Covilhanense” (1889);
·         “O Cruzeiro” – Rio de Janeiro (1880);
·         “Diário do Comércio” – Porto (1889-90);
·         “Diário Ilustrado” – Lisboa (1872-88);
·         “O Diário Popular”– Lisboa (1890);
·         “Diário Popular” – Brasil (1889);
·         “O Distrito de Leiria” (1891 e 1894);
·         “O Eco Popular”  - Porto (1848-49);
·         “Folha da Manhã” – Barcelos (1890);
·         “A Folha Nova” – Porto (1881-86);
·         “Gazeta Portuguesa” –Buenos Aires (1890);
·         “O Imparcial” – Lisboa (1887-89);
·         “Jornal do Comércio” – Lisboa (1864-89);
·         “Jornal da Manhã” – Porto (1888-90);
·         “Jornal da Noite” – Lisboa (1888-90);
·         “Jornal de Notícias” – Lisboa (1890);
·         “O Jornal do Porto” (1890);
·         “Justiça Portuguesa” – Porto (1849-51);
·         “A Nação” – Lisboa (1849-53);
·         “O Nacional” – Porto (1846-62);
·         “O Porto e a Carta” (1854-58);
·         “O Portuense” (1853-54);
·         “O Primeiro de Dezembro” (1861);
·         “O Primeiro de Janeiro”  - Porto (1871-89);
·         “A República” – Porto (1890);
·         “A Revolução de Setembro” – Lisboa (1861-63);
·         “O Tempo” – Lisboa (1889).





29-05-2014




Escuteiros da Boidobra fazem o primeiro “Ataque ao Pâmpano”


Foi com música tradicional, gastronomia e um bom vinho da região que o Agrupamento de Escuteiros da Boidobra realizou o I “Ataque ao Pâmpano”na zona histórica da vila. 

Este evento que contou com barraquinhas de artesanato, animação de rua e tasquinhas, visava “dinamizar a terra” e “o centro histórico que maior parte das pessoas não conhece”,refere António Machado, chefe do agrupamento.

A iniciativa ajudou sobretudo a avivar a memória das pessoas da vila sobre a lenda que era contada, há cerca de 40 anos, no sermão de Nossa Senhora da Estrela.

Conta a lenda que “na conquista do território aos Mouros, os terrenos marginais do Zêzere eram incultos e cobertos de matagais. Onde a caça abundava. Aqui viera caçar Egas Moniz e precisamente no sítio da capela fora surpreendido por um animal feroz, chamado Pâmpano, com o qual travou combate. Vendo-se perdido, invocou Nossa Senhora de quem era muito devoto, prometendo construir-lhe uma capela se Ela o livrasse da fera. Como saiu ileso, cumpriu o voto, fundando a capela e dando-lhe o nome de N. Sr.ª da Estrela, por ter sido liberto alta manhã quando a estrela de alva estava luzente no céu".

                                Capela da Nossa Senhora da Estrela - Boidobra

Depois da fundação da capela foi construído, à retaguarda, um convento de frades bernardos, segundo dizem os antigos. Segundo o livro “Santuário Mariano”, o mosteiro foi fundado por ordem de Egas Moniz mas quem o executou foi o seu filho, D. Lourenço. Com o passar dos anos o edifício ruiu por completo e depois foi o padre D. Mendo que o restaurou de novo no ano de 1220.

A Capela da Nossa Senhora da Estrela ainda hoje existe e tem um escudo com o Pâmpano cravado na fachada principal.


Escudo com o Pâmpano cravado na fachada principal


António Machado conta que o Pâmpano “foi considerado por muita gente” de antigamente como um “crocodilo, um dinossauro ou qualquer coisa do género", não se sabe ao certo a espécie do bicho que terá atacado Egas Moniz enquanto caçava.

A Festa de N. Sr.ª da Estrela é celebrada desde o século XII, no Domingo mais próximo do dia 8 de Setembro, dia da Natividade. O dia da Natividade é uma festa litúrgica da igreja católica que celebra o nascimento de Nossa Senhora. Antigamente, no dia da festa ia imensa gente da Covilhã a Boidobra, chegando mesmo a fechar as fábricas de lanifícios.

O evento contou com 21 expositores que tinham nas suas barraquinhas iguarias como francesinhas, morcelas, chouriças, porco no espeto, rissóis, bolos, jeropiga, sopas, licores, crepes, entre outros.

Maria Lourenço tem 45 anos, vive em Cantar Galo, na Covilhã, e como está desempregada dedicou-se ao artesanato. Na sua barraquinha vendia bijuteria, anéis, terços, brincos e também uns porta-chaves com a mascote da festa -  o pâmpano, feito em feltro.
Porta-Chaves - Pâmpano (feito em Feltro)


Florivaldo Semedo tem 41 anos, é fotógrafo de profissão mas dedica-se também a fazer peças artesanais. No seu espaço vendia peças feitas em madeira, pedra, linha, feltro, e sisal como por exemplo, bonecas, porta-chaves, quadros e letras decorativas. “Há mais gente a gostar” das peças “do que a comprar” devido à atual situação financeira que o país atravessa. "Toda a gente acha tudo “de muito bom gosto, muito bonito mas nem todos podem levar”, disse Florivaldo. O expositor confessa que estas “são festas de cariz popular onde vale a pena estar” principalmente pelo convívio.

Barraquinha de Artesanato - Florivaldo Semedo


Andreia Costa vende peças que aprendeu a fazer na internet. A jovem de 23 anos faz cestaria e artigos de decoração com papel de jornal que depois é pintado e envernizado. Andreia trabalha na agricultura e faz este tipo de peças por gosto pelos “trabalhos manuais” e para ocupar as horas livres.  

Duas das tasquinhas abertas ao público pertenciam à própria organização. Uma delas estava a cargo dos Lobitos e dos Exploradores e lá vendiam iguarias feitas pelos pais das crianças. Outra a cargo dos Pioneiros e Caminheiros mais ligada ao ambiente à música e ao ambiente noturno.

Um local de paragem obrigatória para quem visitava esta festa era o restaurante “O Pâmpano” que servia pratos com nomes associados ao evento. No menu do dia podia-se encontrar pratos como “Egas Moniz” (o tradicional bitoque) e a “Estrelinha” (francesinha). O restaurante era da responsabilidade da organização e esta decidiu dar estes nomes aos pratos para despertar a curiosidade nas pessoas para que estas tentassem saber, de alguma forma, o porquê de tais nomes.

Restaurante "O Pâmpano"




Painel decorativo para os visitantes tirar fotos

Para a festa foi feita uma mascote que foi construída pelos escuteiros (principalmente pelas camadas mais velhas devido à dificuldade de construção) e por alguns populares. Para fazer o Pâmpano, foi preciso fazer uma estrutura em madeira, forrá-la toda a esferovite, cobrir de papel de jornal e pintá-lo.

Mascote do "Ataque ao Pâmpano"


A organização decidiu ainda criar um cartaz de cariz cómico, ao associar ao desenho do pâmpano uma pipa de vinho, já que esta era uma festa essencialmente constituída por tasquinhas.

Segundo António Machado, responsável pela organização, esta era “a festa que faltava fazer” na Boidobra.
O evento teve muita afluência e contou com a colaboração do Rancho Folclórico da Boidobra, do Centro Cultural e Desportivo da Boidobra, da Orquestra Académica “Já B’ubi & Tokuskopus”, da Tuna Feminina da Universidade da Beira Interior – As Moçoilas, da Comissão de Festas da Senhora da Estrela, da Junta de Freguesia da Boidobra, da Câmara Municipal da Covilhã e de alguns populares que ajudaram nas animações de rua, na montagem de algumas infraestruturas e concretização do evento em si abrindo as suas tasquinhas.

Os fundos angariados na I edição do “Ataque ao Pâmpano” visam cobrir parte das despesas dos escuteiros e ajudar todas as entidades envolvidas na angariação de fundos de forma a suportar alguns custos das futuras atividades. 

                                                                                                                       29-05-2014







“Expand Your Mind” dá visibilidade a trabalhos criativos



O “Expand Your Mind” realizou-se mais uma vez na cidade da Covilhã. Entre os dias 1, 2 e 3 de Maio vários artistas expuseram os seus trabalhos na Garagem de São João. Ao evento chegaram trabalhos de pintura, ilustração, música, moda, fotografia, cinema, escultura, arquitetura, artesanato, entre outros.

O primeiro “Expand Your Mind” aconteceu em 2010 quando três alunas de Design de Moda da Universidade da Beira Interior, Amandine Zimmerman, Plácida Mendes e Ermelinda Mandlaze decidiram fazer um desfile de moda com um concerto, dando a conhecer os trabalhos realizados pelos alunos do seu curso. Tanto em 2010 como em 2011, o desfile realizou-se junto à Câmara Municipal mas em 2012 o desfile mudou-se para o Teatro Municipal da Covilhã.

Em 2013, Bruno Cunha, também estudante de Design de Moda, passou a ser o responsável máximo pelo evento e decidiu envolver mais pessoas. Por isso a partir daí começou a convidar os alunos dos cursos da Faculdade de Artes e Letras e artistas locais de forma a abarcar todos os que se queiram expressar artisticamente. O “Expand Your Mind” quer ser a ponte de ligação entre “o mundo universitário e o mundo profissional” obrigando os alunos participantes a estudar a melhor forma de apresentar os seus trabalhos, afirma Bruno Cunha.

A iniciativa pretende abrir as portas de edifícios abandonados e expor o trabalho de jovens artistas e empreendedores.

Em 2013, o evento teve como pano de fundo um enorme pavilhão de uma fábrica desativada pertencente à unidade fabril Ernesto Cruz. Na altura em que os alunos começaram a trabalhar no espaço encontraram vários objetos antigos, entre eles um tear com mais de 100 anos que estava ali esquecido, abandonado. “Basta de ignorar que a riqueza de um povo não é também o seu património. Basta!”, escrevem Bruno Cunha e Lurdes Rocha no editorial da revista do evento.

Os dois alunos da UBI explicam também que o movimento “pretende expandir as mentes”, “romper com a inércia” e “revolucionar o olhar sobre o passado e a história de um concelho”.

Este ano o evento foi co-organizado pela I-Start que é uma associação, sem fins lucrativos, que surgiu em 2011 no TEDx Covilhã e visa ativar e desenvolver o empreendedorismo. A I-Start decidiu aliar-se ao “Expand Your Mind” uma vez que considera que este movimento acaba por dinamizar as indústrias criativas e empreendedoras, e permite que os jovens desenvolvam projetos criativos com vista a recuperar um concelho envelhecido.

Os apoios que a organização procurou não foram em dinheiro, mas sim em serviços. O grupo avaliou o edifício, reuniu uma lista de necessidades e foram pedindo pequenas intervenções às empresas. Por exemplo, a Câmara Municipal da Covilhã ajudou nas limpezas porque já tinham máquinas, funcionários e não tiveram que “investir dinheiro mas sim tempo e trabalho”, salienta Bruno Cunha.

Além destes apoios, muitos alunos da UBI voluntariaram-se para ajudar na concretização do evento dando informações aos visitantes, vigiando as exposições, fazendo limpeza ao espaço, etc.

Este ano o local escolhido para receber o “Expand Your Mind” foi a Garagem de São João por ser “tão marcante” e “tão central”, aponta o responsável máximo pela organização.


                                                         Figura 1. Garagem de São João




O edifício é datado de 1944 e situa-se no largo das Forças Armadas, freguesia de S. Pedro, no centro da cidade da Covilhã.

Antes de o edifício ser erguido, existia no mesmo local, desde 1875, um teatro conhecido como o “Teatro Velho” que depois foi vendido pela Câmara Municipal. Segundo o contrato de venda lá deveria ser construída uma nova casa de espetáculos. O espaço que já chegou a ser uma gare, que ligava a cidade neve ao resto do país, foi também uma oficina. Como só foi abandonado há cerca de 20 anos ainda há “uma memória muito forte” nas pessoas, destaca Bruno Cunha.

No blogue “Covilhã, cidade fábrica, cidade Granja” consta um artigo de Carlos Madaleno do “Notícias da Covilhã” que conta que no início dos anos 40, uma sociedade empresarial de Francisco da Silva Ranito, Eurico Jotta Roseta e José Ranito Baltazar, decidiu construir um cinema na cidade, por isso acabaram por comprar o “Teatro Velho”.

Depois foi feito um anteprojeto para um cine-teatro pensado por Luís Ranito Catalão. Aprovado pela câmara a ideia foi em frente e surgiu um projeto definitivo assinado por Carlos Carmo, um dos maiores arquitetos do século XX e um dos difusores do modernismo em Portugal.

O arquiteto acabou por apresentar um projeto com diferenças significativas em relação ao projeto inicial, o que não agradou a Rafael dos Santos Costa, técnico da Câmara, que na altura justificou-se dizendo: “de modo geral o projeto não nos agradou… forma no conjunto um edifício que choca no meio em que vai ser construído”. O edifício dispunha de uma fachada principal com traços de modernismo, cenografia e monumentalidade.

Em 1947 tentaram fazer obras mas como entretanto Raul Rodrigues projetou o Teatro-Cine e não era possível ter dois locais com vista a acolher espetáculos. Assim sendo, o edifício sofreu obras e, em 1949, passou a ser uma garagem projetada por Alexandre Steinkitzer Bastos. A garagem passou a ser da Sociedade de Camionagem da Guarda, depois da Sacor (de Pedro Ordaz), mas foi com o empresário Alberto de Carvalho que ela viveu os seus “últimos dias de glória”.

A edição do “Expand Your Mind” deste ano começou a ser planeada em Outubro e o trabalho de reabilitação do espaço começou em Fevereiro. A organização reuniu esforços para tornar os três pisos da Garagem de São João em sítios seguros e agradáveis para os visitantes. No total, puderam ser vistas mais de 50 mostras de diversos tipos de arte.



                                                               Figura 2. Piso 1 do evento




No local estiveram representados, o WOOL – Festival de Arte Urbana da Covilhã; a New Hand Lab – fábrica António Estrela, empresa virada para a tecnologia e criatividade; a POSCA, que comercializa marcadores com tinta à base de água; a Escola Secundária Campos Melo, que mostrou os trabalhos dos seus alunos; a ASTA – Associação de Teatro e outras artes; a Logik que se dedica à confeção e aproveitamento de fios para fazer tricô e crochet; Ana Mendes, aluna de Design Multimédia, com as suas fotografias; a Umbrawork que expôs algumas pinturas tendo como suporte estrados de cama velhos; Paulo Ávila, artista plástico açoriano; L7m, graffiter brasileiro; JAF, artista urbano de Mangualde; Desy, artista urbano da Guarda; entre outros.


Figura 3.  Exposição WOOL - Festival de Arte Urbana da Covilhã 




Figura 4. Stand New Hand Bad




                                               Figura 5. Stand Escola Secundária Campos Melo




Figura 6. Exposição Umbrawork




Figura 7. Exposição de Pedro Ávila






Figura 8. Intervenção da autoria dos artistas: JAF e Desy



Carlos Neves tem 47 anos e é responsável pela Logik. Decidiu participar no evento deste ano para “combater o anonimato” e divulgar a sua empresa que é a “única empresa no país” que faz fios para tricô. O empresário quis “transmitir aos futuros criadores de moda” que há bons produtos no mercado nacional.

Esta empresa tem 35 anos e desenvolveu tecnologia própria com vista a recuperar excedente de fios. Neste momento comercializa seis tipos de fio (Malhinha, Wave, Luxo, Natal, Cetim e Charme). Estes fios podem ser usados para fazer tricô que consiste em entrelaçar fios de forma organizada, com duas agulhas, criando assim um pano. Esse pano é chamado de malha de tricô devido à sua textura e elasticidade.



                                                              Figura 9. Stand Logik



O WOOL – Festival de Arte Urbana da Covilhã participou pelo segundo ano consecutivo “Expand Your Mind”. No seu stand os visitantes podiam “fazer pequenos desenhos ou frases” numa parede branca, ver fotos das intervenções feitas na Covilhã e ver uma parede decorada com restos de móveis e pneus.
Pedro Rodrigues, responsável pelo projeto, tenta assim divulgar o festival numa tentativa de conseguir “retomar o festival” na Covilhã.




  
            Figura 10. Parede para intervenções dos visitantes - WOOL - Festival de Arte Urbana



Ana Mendes tem 19 anos e é aluna do 1º ano de Design Multimédia na UBI. É Luso-Brasileira e este ano decidiu expor os seus trabalhos de fotografia no “Expand Your Mind”. Para aluna da UBI com a participação neste evento “surgiu a oportunidade de mostrar ao público” o seu grande “vício” e “evoluir com as críticas”.

Ana tira “fotografias de lugares vazios de pessoas, mas cheios de poesia e harmonia, pessoas idosas que carregam nos traços dos seus rostos histórias bem ou mal vividas, fotografias de gente e lugares que revelam mentes e culturas muito distintas”.
Junto às fotografias expõe objetos que vai “guardando de viagens feitas” e “objetos pretendentes anteriormente” aos seus antepassados.



                         Figura 11. Stand Ana Fernandes, aluna do 1º ano de Design Multimédia




Os visitantes puderam também assistir aos concertos dos “Solar Corona”, “Bed Legs”, “Os Compotas”, “Namari”, “Pedro Puppe”, “Pinto Ferreira” e “Mr. Herbert Quain”.

“Solar Corona” é uma banda de rock oriunda de Barcelos. O grupo é constituído por três jovens: Rodrigo Carvalho (guitarrista), Jorge Esteves (baterista) e Tiago Campelo (Baixista).
Os “Bed Legs” são de Braga e começaram no final de 2011. Os géneros musicais que usam nas suas músicas são o rock, Blues, Grunge e Stoner. Da banda fazem parte: Fernando Fernandes (vocalista), Tiago Calçada (guitarra), Hélder Azevedo (baixista) e David Costa (baterista).

O primeiro concerto que fizeram foi no concurso de bandas da Queima das Fitas de Coimbra onde ficaram em 3º lugar. Já estiveram na Expressões Braga Fest, Ponte Party People e no Encerramento da Capital Europeia da Cultura.




                                                  Figura 12. Concerto dos "Bed Legs"



“Os Compotas” surgiram no Algarve em 2012. É uma banda funk constituída por cinco elementos. Edgar Valente é vocalista e teclista, João Aguiar guitarrista, Paulo Lourenço baixista, Tiago está responsável pela Percussão e Fábio Cantinho pela bateria.



   Figura 13. Concerto -  "Os Compotas"



Os "Namari" nasceram em Torre de Moncorvo e começaram há cerca de quatro meses. Mariane Reis é a vocalista, canta músicas calmas e originais, criando um ambiente sereno. A banda é constituída por Bernardo Silva, que toca guitarra eletro-acústica; por Ricardo Pereira, que toca bateria; por Sérgio Salgueiro, que toca baixo; por Vasco Machado, que toca guitarra elétrica e por Victor Leal que está responsável pelas teclas e precursão.




     Figura 14. Concerto dos "Namari"

Pedro Puppe tem o curso de arquitetura e de para-quedismo, no entanto dedica-se à música. É ele quem compõe as músicas e é guitarrista. O músico é quem prepara os espetáculos, as letras e as capas dos álbuns.



                                                             Figura 15. Pedro Puppe


Os “Pinto Ferreira” são uma dupla constituída por Bruno Pinto e Jorge Ferreira. Nas suas músicas costumam falar de conflitos sentimentais ingénuos e amores obsessivos. Depois das músicas de sucesso “ O mais perfeito dia”, “O Violinos no Telhado” e “O elogio da Estupidez” preparam o seu segundo álbum.

“Mr. Herbert Quain” é um artista de nome Manuel Bogalheiro. Tem 26 anos e faz música eletrónica. Já lançou dos trabalhos: “How I Learned to Stop Worrying and Start Loving the Waiting” (2012) e “Forgetting is a Liability” (2014). Para a produção dos seus trabalhos o artista usa amostras de várias músicas, filmes, peças de teatro e poemas.

Os visitantes puderam também assistir a peças de Teatro como a “Mata-Dor”, “Dia de Ilusão”, “Diário dos Imperfeitos”, “Pé ante pé” e “Tudo Certo”; a Workshops sobre crowdfunding e cooperativas culturais; ao habitual desfile de moda organizado pelos alunos de Design de Moda; aos filmes disponibilizados apresentados no “Cinema Paraíso” da responsabilidade dos alunos de cinema; visitar o “Cantinho do chá”, visitar a Feira de Artesanato, entre outros.


                                                                     Figura 16. "Cinema Paraíso"



A pulseira geral de entrada, para quem comprasse até dia 25 de Abril, tinha o custo de 8 euros para os estudantes e 10 euros para não-estudantes. Pessoas com mais de 65 anos ou crianças até aos 10 anos pagavam apenas 5 euros. Depois dessa data o bilhete geral era 10 euros para estudantes e 12 euros para não-estudantes. Os bilhetes diários tinham o custo de 5 euros, exceto para as crianças e idosos que pagavam apenas 3 euros.

Este é um evento para continuar porque o objetivo agora é “começar a lutar pelo centro Cultural da Covilhã”, diz o responsável pelo “Expand Your Mind”.



08-05-2014







       TeatrUBI comemora bodas de prata

O grupo de teatro universitário TeatrUBI comemora este ano 25 anos de existência. Tudo começou com um grupo de alunos que frequentava a Universidade da Beira Interior (UBI), em 1989, que decidiu juntar-se para fazer teatro, considerado hoje a quinta arte. “As artes cênicas são um conjunto de técnicas usadas na criação, direção, montagem e interpretação de espetáculos teatrais. Os seus recursos podem ser utilizados no processo educativo de crianças e jovens, como uma expressão artística”, dispõe o site da Universidade Estadual Paulista.
Para comemorar as bodas de prata, o atual responsável pelo grupo e também encenador, Rui Pires, tinha pensado em editar um livro que contasse um pouco “a história destes 25 anos” mas tal não foi possível “por falta de meios”.

"Diagnóstico: desgosto patológico” (2014), “Parecia que dançávamos. Tu vestido de príncipe e eu nua” (2013), “Mata-dor” (2012) “son[h]o dor-mente” (2011), “Empresta-me o teu coração” (2010) e “Marca’dor” (2009) foram as peças desenvolvidas pelo grupo nos últimos cinco anos. 
“Diagnóstico: desgosto patológico” é co-produzida pela ASTA – Associação de Teatro e outras artes e baseada no texto “4:48 Psicose” de Sara Kane. Conta a história dramática da autora e de todos aqueles que já viveram uma desilusão amorosa, retratando a dualidade amor-ódio que as pessoas conseguem nutrir quando uma relação acaba.

“Parecia que dançávamos. Tu vestido de príncipe e eu nua” é inspirada nos textos “Puta de Prisão” de Isabel do Carmo e Fernanda Fráguas, e em “La Flor de Lis” de Marosa di Giorgio. A peça recorre à nudez, à sensualidade, ao erotismo e retrata a história de cinco prostitutas e a homossexualidade entre duas pessoas.

                             Trailer da peça "Parecia que dançávamos. Tu vestido de príncipe e eu nua".

“Mata-dor” mostra o que se passa com todas as mulheres portuguesas que são alvo de maus tratos por parte dos homens. É uma peça que apela muito à emoção e comoção do público pois faz com que os espectadores sintam o sofrimento das mulheres. A peça acaba com uma cena de violação consomada pelo ator que representa os homens agressores.



                                                                     Trailer da peça "Mata-dor"

“Son[h]o dor-mente” dá-nos uma visão do estado das relações sociais de hoje em dia. A peça surge de uma adaptação de “O Teatro”, de Emma Santos e trata da violência nas relações humanas. Durante o espetáculo há uma projeção que mostra um filme, gravado em direto, no Teatro Cine da Covilhã e alguns excertos de vídeos feitos ao longo dos ensaios. 

                                                           Trailer da peça "Son(h)o dor-mente"

“Empresta-me o teu coração” é baseada num texto inédito de uma escritora de pseudónimo “Javali Voador”. Fala de amor, a falta que faz e a busca dele.
“Marca-dor” conta com textos adaptados das obras de Florbela Espanca. Esta peça vai ao encontro do universo psicológico da escritora e apresenta os vários estados emocionais. Os intérpretes têm no palco um baloiço, um escadote e um arco suspenso. Usam a declamação, o canto, um megafone e gritos.
Ao longo destes anos o grupo de teatro já arrecadou vários prémios, em vários países. Com a peça “Parecia que dançávamos. Tu vestido de príncipe e eu nua” o grupo foi distinguido com o prémio Suso Díaz devido à melhor resolução técnica. “Marca-dor e son(h)o dor-mente” foram contempladas com o prémio do Júri na Mostra Internacional de Teatro Universitário de Ourense, em Espanha. “Mata-dor” e “Empresta-me o teu coração” alcançaram também uma menção honrosa no mesmo festival.
Em 2004, com a peça “A ferida no Pescoço”, o TeatrUBI venceu o grande prémio do Festival Internacional de Teatro Universitário de Casablanca (Marrocos). O espetáculo era encenado por Susana Vidal, a partir de um texto de Heiner Müller.
Antes da atuação, o grupo cumpre um ritual, sobretudo nas estreias ou nas apresentações mais importantes. O grupo reúne-se no centro do palco, dá as mãos, canta a oração “Ôm Namah Shiva” e cumprimenta-se. Shiva é a Deusa da transformação, da alegria, da paz, da mudança e tudo isso se liga ao teatro, ao trabalho do ator e do encenador.

                                                               Ritual do TeatrUBI antes do espetáculo

Gonçalo de Morais tem 23 anos e há 5 que faz teatro. O ator descreve os momentos antes de entrar em cena como “os melhores”. “Sinto sempre um nervoso enorme, mas é um nervoso que me deixa com energia, com vontade de começar. É um misto de sensações. É por esses minutos que trabalho no teatro. É ótimo!”, afirma. O jovem tem ainda um hábito pessoal que é “correr pelo palco” e depois deitar-se um pouco “a descontrair”.
Nos últimos anos as peças são todas criadas por Rui Pires, com a ajuda dos alunos. O encenador é contra o conceito de atores “como marionetas” em que se limitam a cumprir as indicações. Durante o processo de produção, é pedido aos membros do grupo que tragam imagens, músicas, roupas, que possam gerar ideias para a criação da peça final. Os temas são escolhidos ao acaso, havendo sempre uma tendência para trabalhar com sentimentos opostos como amor-ódio, traição-fidelidade, dor-paixão. A história nunca é linear. Por exemplo, na peça “Mata-dor” a história começa pelo fim, quando a mulher, vítima de violência doméstica, mata o agressor.
O plano de trabalho do TeatrUBI é muito rígido. Os ensaios começam em Outubro, depois da Receção ao Caloiro e têm lugar no Teatro Municipal da Covilhã. Normalmente “aparecem 20 / 30 / 40 / 50” pessoas mas é impossível “fazer uma peça com essa gente toda”, explica Rui Pires.
O grupo reúne-se quatro vezes por semana, durante quatro horas e o método de trabalho é muito particular. O encenador não se centra num texto teatral comum, mas sim em prosas e poesias. O grupo trabalha com improvisações tendo em conta as premissas de Rui Pires.

                                                                                  Camarim dos atores


Para que o produto final seja de qualidade, cada aluno só pode ter 5 faltas intercaladas ou 3 faltas consecutivas. Ultrapassado este número de faltas, a pessoa fica excluída, pois segundo Rui Pires, este é um trabalho “coletivo e de criação”, logo se o aluno faltar muito começa a “prejudicar o grupo e o trabalho dos colegas”.
Quem entra para o grupo de Teatro da Universidade da Beira Interior começa com uma formação onde se trabalha a postura, a dicção, se aprende a projetar a voz, a falar e a respirar pelo diafragma, e alguns truques para bater ou para mandar alguém ao chão.
O responsável máximo pelo grupo considera que no teatro quando é preciso bater tem mesmo que haver contacto físico. Se for fingido o público facilmente percebe e por isso são ensinados truques para tentar preservar o máximo a integridade física dos atores. Por exemplo, ao dar um estalo deve-se bater na cara com a mão em concha para fazer mais barulho e nunca se deve bater no ouvido. Nestas situações é o agredido que escolhe o local para o agressor bater para que se possa defender de algum modo. Durante a peça não é quem vai agredir que toma a iniciativa, mas sim quem é agredido. No caso de mandar alguém ao chão, o ator apenas larga e a pessoa cai por ela.
Gonçalo de Morais confessa que “não sabia nada de teatro nem de representação. Não tinha noções de palco nem de projeção de voz”. O jovem diz ainda que o teatro o ajudou a ter confiança, a exprimir sentimentos, a ter sensibilidade artística, entre outras coisas.”

                                                                   Gonçalo de Morais em cena

Segundo Rui Pires, “ninguém é expulso do grupo”, pois há “todo um trabalho de bastidores que é necessário fazer”.
Apesar de os alunos de Design de Moda estarem em maior número este ano, em anos anteriores grande parte das pessoas vem do Curso de Ciências da Comunicação. Todos chegam com vontade de dar vida a uma personagem, mas é impossível pôr em palco tanta gente. É necessário tratar da cenografia, da iluminação, do som, do guarda-roupa, da produção, da comunicação.
O guarda-roupa varia muito de ano para ano. Umas vezes é feito de raiz, outras vezes reciclam-se fatos usados noutros espetáculos. Na peça deste ano: “Diagnóstico: desgosto patológico”, o guarda-roupa foi comprado na China, por um preço acessível. Mas, por exemplo, em 2012, o guarda-roupa foi da responsabilidade dos alunos de Design de Moda que se ofereceram para fazê-lo. Há uma grande preocupação com a escolha da roupa pois tem que ser pensada tendo em conta as luzes e a movimentação das personagens em palco. Quando há muito movimento, a roupa não pode ser muito apertada e tem que ser cómoda. A roupa é sempre adaptada à peça e aos acontecimentos. Na peça "Son(h)o dor-mente", os atores estão permanentemente molhados, por isso foi necessário experimentar vários tecidos para que a roupa funcionasse.
Os cenários nunca são muito elaborados porque não há dinheiro para investir em materiais. Por isso são normalmente muito simples, portáteis e fáceis de montar para facilitar o transporte para os festivais. Já chegaram a haver cenários de grandes dimensões e mais complexos mas implicava gastos com o transporte. Por exemplo, na peça “Son(h)o dor-mente” o cenário era um pouco mais elaborado porque tinha uma piscina. Essa piscina era desmontável e quando iam atuar fora tinham que levar sempre um esquentador e uma botija de gás para aquecer a água, o que implicava custos de transporte dos adereços. Na peça deste ano o cenário é composto por elásticos amarrados a varas que são presas a 12 discos velhos de travão de carro, dados por uma oficina local.
Rui Pires não usa muita caracterização pois tenta que os atores sejam, o mais possível, “parecidos com a realidade”. As personagens não usam maquilhagem, apenas têm um pequeno contorno nos olhos para os fazer os sobressair e por vezes um pouco de base mas nunca é “uma caracterização muito profunda”.
As peças são tão reais que já provocaram diversas reações do público. Por exemplo, durante a exibição da peça “Mata-dor” uma pessoa do público quis bater no ator que agredia a mulher. 
Na hora de preparar as personagens, o encenador dá alguns conselhos pessoais, ouve as sugestões dos alunos e recomenda que se inspirem em algumas interpretações de atores, quer em filmes, quer em telenovelas.
Gonçalo de Morais tem trabalhado mais com peças dramáticas onde as personagens têm “ uma carga dramática muito forte, carregadas de intensidade. O ator gosta muito “deste tipo de personagens, pois passam uma mensagem forte, marcam o público e fazem-nos pensar”.
O que mais o cativa no teatro é “o estar em cima do palco” , “sentir o público, sentir as suas reações, escutar os seus comentários, os seus risos e choros” pois é algo que o preenche e que o faz “cada vez mais gostar desta arte”.
 Apesar da conjuntura económica do país, o grupo sobrevive graças aos apoios da Fundação Calouste Gulbenkian, da UBI, do Instituto Português da Juventude, da Fundação Inatel e de algumas empresas da região. Apesar dos apoios que recebem, o dinheiro não chega para tudo. O grupo já atuou em vários países como o Brasil, a Costa Rica, a Venezuela, França, Espanha, mas algumas deslocações tiveram que ser pagas pelos próprios alunos. Os convites chegam de todo o lado mas só é possível participar em alguns festivais.
Ao longo dos anos o grupo de teatro tem investido as verbas que consegue no Ciclo de Teatro Universitário da Beira Interior (que já se realiza há 18 anos consecutivos), nas deslocações a festivais e na preparação das peças. Segundo Gonçalo de Morais o TeatrUBI é  “um grupo pequeno, com poucos apoios, mas que faz bastante” pois “dignifica a UBI, a Covilhã, a Beira Interior e o país”.
Os espetáculos produzidos por esta companhia são muito visuais e usam muito pouco texto, e isso faz com que seja possível chegar mais facilmente aos públicos estrangeiros. A linguagem corporal é a grande aposta do grupo pois permite chegar às pessoas sem que seja necessário compreender a língua.

Atores durante um espetáculo


Gonçalo de Morais é aluno do segundo ano do Mestrado em Comunicação Estratégica e diz que é possível conciliar os estudos com o teatro.
 “Fiz a minha licenciatura e sempre consegui conciliar as aulas, os estudos e as frequências com os ensaios e com as apresentações fora da Covilhã e até do país. Neste momento estou a terminar o mestrado e também é possível conciliar as duas coisas – os estudos e o teatro”, refere.

Para ele, o TeatrUBI é “uma grande escola”, pois permite participar em “trabalhos de grande qualidade”, fazer “digressões por vários países e cidades” e participar em vários festivais. O jovem considera que já aprendeu muito e que os trabalhos que tem feito lhe trazem “oportunidades dentro da representação”. Um dia espera “envergar por uma carreira profissional”.


24-04-2014










Arte urbana faz renascer as ruas da Covilhã

Quem visita a Covilhã e põe a mochila às costas na tentativa de conhecer a essência da cidade, tem que obrigatoriamente passar pela zona histórica. Uma zona quase fantasma, onde as pessoas são poucas e cada vez menos. Quem mora lá conhece os vizinhos como a palma da mão e já sabe as rotinas de quem por lá passa. Uns vão para o trabalho, outros levar os miúdos à escola, outros comer o habitual pastel de molho ao café da esquina. Os jovens são poucos, as crianças que nascem contam-se pelos dedos. As ruas são estreitinhas, desertas, silenciosas e tão íngremes que fazem a respiração acelerar.

O avanço científico e o acesso a serviços de saúde no último meio século, fez com que as pessoas passassem a viver mais tempo, no entanto o número de nascimentos diminuiu drasticamente. Com a população envelhecida e com cada vez mais gente a trabalhar fora, as ruas da Covilhã estão inundadas de casas ao abandono. Casas essas que, em tempos, albergavam grandes famílias e maior parte delas trabalhavam na indústria dos lanifícios. A arte urbana vem agora dar um ar mais leve a estes edifícios e às ruas mais sozinhas da cidade. 

Segundo a PORDATA, em 1960, a esperança média de vida dos homens portugueses era de 60,7 anos de idade e a das mulheres 66,4. Em 2011, este número aumentou para 76,7 no caso dos homens, e 82,6 no caso das mulheres. Em contrapartida, nascem menos pessoas, pois muita gente opta por não ter filhos ou ter apenas um. Segundo dados da PORDATA, em 1985 a taxa de natalidade na Covilhã era de 14,5%, em 2012 já era apenas de 6,4%. 


Agora, o WOOL – Festival de Arte Urbana da Covilhã, organizado por três jovens na flor da idade, propõe-se a trazer a arte de rua para a cidade com o objetivo de “requalificar zonas que estavam degradadas” e algumas delas “esquecidas”, afirma Pedro Rodrigues, um dos responsáveis do projeto.



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O nome do festival, que tem vindo a reabilitar as fachadas mais antigas da cidade, surge de um jogo de sons entre a pronúncia de WOOL (que significa lã em inglês) e WALL (que significa parede). O que inicialmente era um festival de arte de rua, “foi evoluindo” e transformou-se “quase numa produtora de eventos ligados à arte urbana”, disse Elisabet Carceller, uma das responsável pelo WOOL.

Segundo a revista Ideias – Política, economia & Cultura do Paraná, a arte urbana é “uma arte que dialoga diretamente com as pessoas, pois é criada e pensada para estar nas ruas, não em museus ou espaços fechados”.

Além da I edição do WOOL, em 2011, a Covilhã já recebeu outros artistas em eventos esporádicos, com vista a dar cor a algumas ruas. Neste momento estão espalhadas pela cidade várias peças de arte urbana, principalmente na zona histórica, tanto de artistas nacionais, como o Vhils e ARM Collective, como de artistas internacionais como o JR, BTOY e Nilo Zack.

Nomes como estes são inventados pelos artistas para assinarem as suas peças. Quando não há autorizações, pode haver perseguições por parte das autoridades, o que obriga os autores a esconderem-se através de “tags”, ou seja, assinaturas com nomes criados pelos artistas ou pequenas marcas.

O WOOL pede apenas aos criadores que nas suas peças façam “alguma referência em relação ao que é a cidade e a região”. Depois disso não há qualquer “influência no método de trabalho” dos artistas, como afirma Pedro Rodrigues.

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Tudo é pensado ao pormenor. Há uma grande preocupação na qualidade das tintas, pois tem que se ter em atenção que as peças vão estar expostas a diversas condições climatéricas. Mesmo assim, muitas vezes apesar de serem utilizadas tintas boas, “quando há muita incidência do sol, há cores que vão perdendo o brilho”, afirma Elisabet Carceller.

Pedro Rodrigues lembra que a arte de rua é “uma arte efêmera” pois pode vir a sofrer alterações devido à degradação do edifício, por exemplo. O responsável recorda que os ARM Collective sublinharam, durante o workshop que deram, que depois do trabalho concluído ele pode “desaparecer até”, porque o que interessa é que “a peça foi feita” e “está documentada” através da fotografia.

Segundo o responsável, durante a construção das peças “o ideal era trabalhar com plataformas elevatórias” pois são “mais seguras”, mais cómodas e facilmente se chega onde se quer. Mas como não há orçamento disponível nem condições nas ruas, devido à inclinação e largura, são alugados andaimes para que os artistas possam pintar as zonas mais altas.

Cada artista usa o seu método de trabalho, as suas técnicas e as pessoas são convidadas a assistir a todo o processo de construção. Uns sentam-se nos passeios e acompanham os trabalhos, outros espreitam da janela os desenvolvimentos, outros passam e apenas observam por breves momentos.

Nilo Zack é um artista brasileiro e usa normalmente spray, rolos de pintura e tintas acrílicas. A tinta acrílica é muito resistente, de fácil aderência às superfícies e que pode ser aplicada em ambientes externos. O artista veio estudar para a Covilhã, em 2012, e acabou por conhecer a iniciativa pela internet. O criador entrou em contacto com os organizadores, mostrou o seu trabalho e foi convidado a fazer duas intervenções. Para ele a arte urbana é “uma das formas mais sinceras de se expressar, livre para o artista e gratuita para o espectador”.

A sua primeira intervenção na Covilhã foi feita dentro de uma fábrica desativada. Ele desenhou “uma criança com a cara pintada de palhaço” inspirada no seu sobrinho Juan Manoel. A segunda foi pintada na fachada do ginásio da Escola Secundária Quinta das Palmeiras, tendo como inspiração, mais uma vez, as crianças e a “uma fotografia de uma prima (Jully Santos)”. Estas intervenções foram complementadas com desenhos de ovelhas, baseadas na história da cidade e dos lanifícios.





Os ARM Collective fizeram as suas intervenções, entre 20 de setembro e 4 de outubro de 2012, junto à Igreja de Santa Maria. As peças foram feitas num edifício devoluto e ocuparam quatro fachadas. O proprietário do edifício apenas pediu para que as zonas em pedra, que envolvem as janelas, não fossem pintadas. Nessa peça usaram tintas para fazer a base, mas depois trabalharam com latas de spray à mão livre, rolos e extensores. Mas Pedro Rodrigues relembra que a arte urbana “é feita com latas de spray mas não só com latas de spray”.



O Vhils (Alexandre Farto), um dos melhores artistas de arte urbana do atual panorama internacional, normalmente usa uma outra técnica não muito usual neste tipo de arte. O artista esculpiu na parede um rosto de um operário de lanifícios junto ao shopping Sporting. À noite projetou na parede o desenho, marcou-o e fez um baixo-relevo. Para escavar, o artista português usou martelos tradicionais, martelos pneumáticos, picaretas e andaimes. Alexandre Farto utiliza também um pulverizador para aplicar tintas, com tonalidades escuras, para dar um maior contraste ao desenho.

KRAM é espanhol, formado em design gráfico e desde 2004 que é artista de rua. Está ligado ao mundo da ilustração, da banda desenhada e faz graffiti desde a sua adolescência. As suas obras estão normalmente associadas a componentes mitológicas, abstratas e étnicas. Na Covilhã interveio entre 4 e 9 de abril de 2012 na Rua Jornal Notícias da Covilhã, onde fez uma pintura, com quase dez metros de altura por dez metros de largura, inspirada numa lenda da região: “O monstro de olhos no focinho” ou “A Fera de Teixeira”.

Esta é uma lenda, enraizada nas memórias da Covilhã, conta a história mitológica de uma fera de Teixeira que era enorme e muito esperta. Todas as semanas visitava a povoação à noite, e assim que encontrava alguém, a fera, que tinha os olhos na ponta do focinho, apanhava os homens e comia-os. Quando alguém vinha em socorro do visado, a sua boa vontade era paga com a morte. Todas as semanas desaparecia um homem, sem nunca se saber como. Por isso, quando anoitecia, todos se fechavam em casa. Uma noite em que a fera não encontrou ninguém na rua, entrou numa casa onde havia luz e conta-se que ficou afocinhada na lareira,  ficando apenas a lenda.


A BToy, uma artista de origem catalã, fez também projeção do desenho à noite, marcou as camadas e durante o dia pintou. Na Covilhã, a artista fez a interpretação de um postal do início do século XX de um pastor. A peça foi feita numa parede totalmente branca e limpa e está patente junto ao largo da Senhora do Rosário. A criadora trabalha com o pincel e com o stencil, que consiste em fazer um molde, normalmente em papel, cartão ou papel de radiografia, em que se tira do suporte aquilo que se quer que fique impresso na parede. Depois põe-se o papel sobre a parede, pega-se na lata de tinta e pinta-se o espaço que foi recortado. Em peças mais elaboradas, como as da  BToy, esta prática funciona por camadas e depois há uma sobreposição das cores, que dá origem ao resultado final. Além da intervenção principal, a artista deixou alguns posters espalhados pela cidade em portas de edifícios abandonados. Esses trabalhos foram feitos no seu atelier e em papel de arroz. Este é um tipo de papel muito fino que depois de aplicado nas portas com cola branca, dá a sensação que o desenho foi feito no local.



JR é um artista urbano, de Paris, que nunca revelou o seu nome verdadeiro. Aos 17 anos, depois de encontrar uma máquina fotográfica, a sua vida deu uma reviravolta. Nos seus trabalhos usa fotografias a preto e branco, com grandes dimensões, que cola em espaços urbanos, com vista a despertar consciências.
Em 2011, o artista foi contemplado com o prémio TED. Nessa altura lançou o Inside Out Project (IOP), um projeto que apela à participação dos indivíduos de todo o mundo com vista a descobrir, recolher e partilhar histórias não contadas. Ele usa posters que depois aplica em locais de destaque. Na Covilhã, o artista juntamente com um grupo de voluntários (Action Group) decorou paredes de antigas fábricas de lanifícios com retratos de pessoas que ali trabalharam. Neste evento, o IOP da Covilhã, organizado pelo WOOL, decidiu ir recuperar algumas das histórias de alguns trabalhadores e empresários das fábricas de lanifícios. O grupo recolheu o testemunho de 44 pessoas, conseguindo assim fazer-se um pequeno arquivo, com vista a guardar algumas histórias do passado recente da cidade.

Tanto a técnica do poster como a do stencil de pequenas dimensões acabam por ser muito utilizadas pelos que, ainda hoje, fazem graffiti. Como a prática é muito perseguida pelas autoridades, estas técnicas acabaram “por ser uma solução” que foi encontrada pelos artistas porque é muito rápida. No caso do stencil é só pôr o molde na parede e pintar, com os posters é só colar, porque o trabalho é feito em casa, conta Pedro Rodrigues.
Na Covilhã são várias as frases impressas na parede, espalhadas pela cidade, que usam o stencil como técnica. Ninguém sabe o seu autor mas toda a gente as conhece e as aprecia. 


Pedro Rodrigues, um dos responsáveis pelo WOOL, explica que há muitas semelhanças entre a arte urbana e o graffiti, no entanto há muitas opiniões acerca do assunto. Na visão dele o graffiti é o conceito mais no sentido de “marcar território”, já a arte urbana são intervenções pensadas e autorizadas. Normalmente, a arte urbana, exige a autorização do proprietário, se for feita em espaços privados, ou da câmara municipal, se for feita no espaço público. Há artistas que não acham grande interesse a isto de arte urbana porque acaba por sair da essência do que é o graffiti” mas o certo é que “também já há artistas que trabalham tanto a nível de graffitis como a nível de arte urbana."

No entanto, Elisabet Carceller sublinha que há artistas urbanos que “nunca trabalharam em grafitti”. Mas admite que a maior parte começou a fazer peças sem autorização, “nas ruas, nos comboios” de forma espontânea, depois evoluíram e passaram a fazer peças com autorização, com maiores dimensões” e usando “outras componentes plásticas”, pois quando há autorização, “há mais tempo” para as realizar.

Os lugares intervencionados são pensados para causar “algum impacto” e com o objetivo final de construir “um roteiro de arte urbana”, onde “ as pessoas consigam ir de intervenção em intervenção”, conhecendo ao mesmo tempo, “sítios da cidade que se calhar nunca lá tinham passado”, sublinha Pedro Rodrigues.

Normalmente os artistas são remunerados, porque muitos deles fazem disto a sua vida profissional. Segundo Pedro Rodrigues, organizador do festival e de outros eventos esporádicos ligados à arte urbana, diz que as recompensas variam muito, podem ir dos 200 € até 20.000€, embora alguns sejam sensíveis à falta de verbas e façam preços mais económicos. A par destes valores, o WOOL paga os materiais e todas as despesas relativas à deslocação dos artistas.

Desta forma, a Covilhã acaba por entrar “no mapa da arte urbana em Portugal”, deixando muitas vezes as pessoas “surpreendidas com aquilo que foi feito”, afirma Pedro Rodrigues.

Data: 03/04/14  



 

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