Turismo e Viagens

Transumância renasce em terrenos serranos


A procura dos melhores pastos para os gados foi a vida quotidiana de muitos pastores. Esta actividade, a transumância, era praticada sazonalmente dependendo, por isso, das condições meteorológicas e geográficas dos locais para onde os rebanhos se dirigiam. Hoje, está extinta assim como a sua memória. O projecto Rota da Lã – Translana pretende, através da recriação das antigas rotas transumantes, contribuir para a sua valorização cultural conjugada com as potencialidades turísticas do interior do país.

Bem cedo, os pastores saiam de casa e faziam-se aos pastos. Com o cajado na mão, pau que comanda o rebanho, a capa comprida com o capuz, as botas e o chapéu de abas largas, percorriam ora terrenos planos ora terrenos abruptos com os rebanhos.

Da transumância faziam a sua vida. Esta prática caracteriza-se por ser “uma deslocação periódica e sazonal dos gados, com a finalidade de procurar assegurar-lhes os pastos verdejantes de que a sua subsistência carece”, afirma Elisa Pinheiro, coordenadora do projecto Rota da Lã – Translana.


É, acima de tudo, uma vida nómada. Na transumância de verão “os gados sobem à montanha em busca de frescas pastagens que despontam após o desaparecimento do gelo ou neve” e na transumância de inverno, as invernadas, “deslocavam-se para regiões de clima mais ameno, procurando nos prados e nos restolhos das menores altitudes o sustento que o alvo manto da Serra lhes nega”, aponta Rui Ferreira, Assistente do Instituto de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra, em cooperação no projecto.

Os movimentos transumantes (Rota da Lã - Traslana)
Os movimentos marcados pelo projecto apresentam dois sentidos: as deslocações relativas à transumância de verão (verde claro) fazem-se para a zona da Serra da Estrela; as deslocações relativas à transumância de inverno (verde escuro) fazem-se para o Vale do rio Douro, para os campos de Coimbra, campinhas de Idanha e campos de Ourique. A Serra de Montemuro é o único percurso que engloba os dois sentidos da transumância.

Em Portugal, a zona da beira interior, especialmente a Serra da Estrela, assumiu importantes ligações na prática transumante e no comércio laneiro. Como afirma Elisa Pinheiro, a Serra da Estrela foi “o lugar de destino dos gados de diversas proveniências, tanto a nível interno como externo”, tendo sido consequentemente o “ponto de partida e de chegada de algumas das rotas peninsulares da lã, abertas pelas vias da transumância”.
Mas este modo de vida foi perdendo força devido ao “despovoamento e envelhecimento demográfico” aponta. 

Com vista a contribuir “para a preservação de um legado cultural de indiscutível importância para estes espaços interiores”, o projecto Rota da Lã – Translana, desenvolveu “um trabalho de inventariação e caracterização das rotas de longa transumância a partir da Serra da Estrela” e assim promover as potencialidades turísticas do interior, destaca a coordenadora do projecto e antiga directora do museu dos lanifícios da UBI.

As preferências do turista multiplicam-se pelas opções turísticas. Para os amantes de aventura, o percurso da transumância local na Serra da Estrela está preparado para ser feito de BTT.

O percurso circular parte das Penhas da Saúde e que em direcção ao lago do Viriato, que abastece a cidade da Covilhã, se dirige à Nave de Santo António. Esta planície de origem glaciar, era o lugar predilecto de grandes rebanhos que se alimentavam do cervunal, enquanto o pastor esperava no abrigo, resistindo ao vento, chuva e às noites gélidas.

As marcas deixadas pela era glaciar na Serra da Estrela podem ser contempladas à medida que se acede ao Covão do Ferro e ao Vale da Ribeira de Alforfa. No fundo do vale converge a canada “utilizada pelos gados de Unhais da Serra no seu movimento de transumância local para o acesso aos pastos de verão”, denota Rui Ferreira.

As canadas, vias por onde circulavam os gados, “tinham como função não só evitar que os rebanhos não cometessem estragos nas terras cultivadas, mas também alimentar os gados durante os longos percursos transumantes”, esclarece.

Estas e os abrigos dos pastores são, assim, marcas inscritas no trilho percorrido pelo turista. Passando pelo miradouro, desmarca-se da paisagem serrana a cabana da Bouça, e a canada do Pontão Fundeiro, ambas na freguesia de Cortes do Meio. 

Cabana feita pelos pastores em Cortes do Meio (fotografia Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra)

Canada do Pontão Fundeiro (fotografia Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra)

Circunscritas em todo o ambiente da Serra da Estrela são visíveis também no percurso pedonal das cabanas dos pastores, que do vale do Zêzere se dirige a Manteigas. Este itinerário entrega ao visitante o ambiente que invoca a era da glaciação na serra e os testemunhos da prática pastoril.

Os abrigos e os campos agrícolas começam a despontar nas partes mais baixas do vale do Zêzere. Partindo das Caldas de Manteigas, estância termal da vila, o turista ruma à descoberta das cabanas que subtilmente surgem. 

Cabana na zona baixa do vale glaciar (fotografia Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra)

Seguindo as margens do vale, no Poio de Oliveira destaca-se uma típica cabana “fundida com uma enorme laje que lhe serve de cobertura”, afirma Rui Ferreira.

Abrigo dos pastores do vale do rio Zêzere (fotografia Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra)

As rotas da antiga prática transumante, reconstituídas na Serra da Estrela, envolvem também itinerários a aldeias onde a população vivia principalmente da agricultura. Os percursos evidenciam a “interligação entre os elementos relacionados com a prática pastoril e os vestígios histórico-arqueológicos que testemunham as raízes ancestrais da ocupação deste território”, esclarece o mesmo.

O turista depara-se com as pontes, as calçadas romanas que eram atravessadas pelos rebanhos, os abrigos e os campos férteis que acompanham os cursos de água.

Todos estes elementos caracterizam aquele que foi o modelo económico e social das comunidades que viviam da agricultura e da transumância. Ao turista desperta-lhe a “procura e a descoberta da identidade dos lugares, traduzida em viagens, contactos e vivências, numa espécie de regresso às origens”, destacam Elisa Pinheiro e Pedro Pais, no âmbito do projecto Rota da Lã.

A par da recriação das antigas rotas transumantes, actualmente, na beira interior, têm sido diversas as iniciativas que pretendem revitalizar esta tradição, estes costumes que formaram uma cultura envolta das comunidades pastoris.

Na Guarda, na aldeia de Fernão Joanes, conhecida como a Aldeia dos Animais, festeja-se desde 2000 a Festa da Transumância. Desta aldeia, têm saído, nos últimos anos pastores com os rebanhos centrando a viagem numa visita “às canadas, aos abrigos naturais, às choças dos pastores e às eiras”, apontam Elisa Pinheiro e Pedro Pais.

Também no Fundão se festeja, desde 2002, os Chocalhos – Festival dos Caminhos da Transumância, de modo a “recuperar costumes, sonoridades e produtos associados a esta actividade”, frisam.

Assim como na aldeia de Fernão Joanes, na festa dos Chocalhos realiza-se um percurso pedonal que parte do Fundão e se destina a Alpedrinha, recuperando a antiga rota transumante Serra da Estrela – Campinhas de Idanha.

05 de Maio de 2014 





Zêzere é o cartão-de-visita aos antepassados humanos

A Barroca, aldeia do concelho do Fundão, integra não só a rede das aldeias do xisto como é nela que se situa a sua sede. Mas nela espera-se mais que as edificações xistosas. Localizada junto ao rio Zêzere, a sua identidade desmarca-se pela presença ancestral de povos que de uma forma original deixaram a sua marca. Num ambiente campestre perdura no tempo os sinais das comunidades mais remotas da sociedade. Hoje esse património é motivo de atracção turística.

Visitar a Barroca é recuar aos antepassados da evolução humana. Há milhares de anos o espaço que hoje forma a aldeia do interior do país foi o lugar escolhido pelo homem para se instalar. As marcas das suas vivências ficaram registadas através das representações da arte rupestre. Esta “arte realizada sobre superfícies rochosas” tem como tela paredes, tectos de grutas ou rochas ao ar livre, afirma o site da rede da arte rupestre das aldeias do xisto.

Na Barroca, estas representações situam-se na margem direita do rio Zêzere, o poço do caldeirão, e na margem esquerda, o sítio de Costalta.

O percurso faz-se a pé, a partir da Casa Grande (1), antigo solar do século XVIII e que actualmente funciona como sede das aldeias do xisto, Centro de Interpretação da Arte Pré-Histórica do Poço do Caldeirão e loja das aldeias do xisto.

Loja das Aldeias do Xisto

Pelas ruas estreitas chega-se à ponte que permite atravessar o rio (3) e chegar ao destino. Mas antes é possível alcançar o açude (2), construção feita no rio habitualmente para retirar água para o abastecimento da povoação, para rega dos cultivos ou produção de energia.  

A dificuldade de acessibilidade às gravuras rupestres (5) levou à construção de um passadiço (4) de modo a se tornar um local turístico. Mas por se localizaram nas rochas mais baixas e estarem praticamente ao nível da água, nos meses invernais, o aumento do leito do rio não as torna visíveis. Assim, os meses de verão são os mais propícios a este turismo.

 Percurso pedestre das gravuras rupestres (Centro de Interpretação)

Descodificar as gravuras rupestres, não só do poço do caldeirão mas de toda a rede de arte rupestre das aldeias do xisto, é compreender os tempos mais remotos da acção humana. Segundo o Centro de Interpretação, o poço do caldeirão “acolhe a arte do período mais logo e remoto da história do Homem – o Paleolítico”. Este período, compreendido entre os 40.000 a 8.500 anos a.C. “marca o início das primeiras representações pictóricas, expressas no simbolismo e na abstracção”.

Em Portugal, estas surgem principalmente ao ar livre, nas margens xistosas dos rios, e têm como principais representações animais.

Na margem direita do Zêzere destacam-se três equídeos, ou cavalos, e surge um quarto cavalo na margem esquerda.

 
Três cavalos do poço do caldeirão
Fotografia Centro de Interpretação Poço do Caldeirão


Cavalo do sítio de Costalta
Fotografia Centro de Interpretação Poço do Caldeirão

Nesta, visualizam-se, ainda, dois caprídeos, ou cabras, e gravuras “esquemático-simbólicas, com motivos geométricos circulares, que se enquadram cronologicamente entre o Calcolítico e a Idade do Bronze”, aponta o centro interpretativo.

Representações rupestres (Cabras) à direita e gravuras da arte esquemática (à esquerda)
Fotografia Centro de Interpretação Poço do Caldeirão

Tratamento da gravura rupestre feita pelo Centro de Interpretação

Frequentemente associada à função lúdica, ritual ou mágica dos povos, a arte rupestre reveste-se de um “elevado grau de codificação simbólica”, esclarece o centro de interpretação.

Aos visitantes mais atentos saltará à vista o facto de as três representações dos cavalos no poço do caldeirão estarem “intencionalmente incompletas, como se saíssem do interior da rocha”, aponta a mesma. Já as cabras estão em aparente confronto.

 Criança aprecia figuras rupestres
Fotografia Centro de Interpretação Poço do Caldeirão

Porque o faziam? A resposta está na compreensão das manifestações quotidianas do Homem moderno, o Homo Sapiens Sapiens.

Depois de atravessar as margens do Zêzere e se ter deparado com estas misteriosas gravuras é tempo de fazer uma paragem ao centro de interpretação. Nele, o panorama histórico português e europeu desta arte são disponibilizados através de reproduções gráficas, quadros interactivos e textos informativos, assim como os “conhecimentos do Homem do Paleolítico Superior, o seu modo de vida, os artefactos que usou e, sobretudo, a arte que produziu”, destaca.

 Interior do Centro de Interpretação
Fotografia Centro de Interpretação Poço do caldeirão

Este Homem, que vivia em comunidades nómadas e que se dedicou “à pesca, à caça e recolha de plantas”, desenvolveu utensílios cada vez mais especializados, como lâminas, furadores, raspadeiras e diversas pontas, afirma o centro interpretativo.

Mas foi na época do neolítico que se desenvolveu a arte rupestre esquemática e se notam significativas “transformações sociais e ideológicas”, esclarece a mesma. Esta “sociedade agro-pastoril”, agora fixada em comunidades estáveis, dedicava-se à “criação de gado, domesticação de animais, ao cultivo de novas áreas, à tecelagem, produção de cerâmica e cestaria”, dispõe.

A rede de arte rupestre das aldeias do xisto, englobado no território do Pinhal Interior da região centro, insere-se também em Chãs de Égua, concelho de Arganil. Para a rede estas gravuras “constituem um inestimável património histórico e arqueológico do território, com óbvias potencialidades ao nível da promoção turística”.

A construção de infra-estruturas no local onde se localizam as figuras rupestres e a instalação dos centros de interpretação são, assim, a forma viável para a atracção turística.

29 de Maio de 2014


Piódão: o presépio da Serra do Açor


Situado nas colinas mais abruptas da Serra do Açor, o Piódão salta à vista pela sua típica disposição topográfica. A predominância do xisto e do azul das habitações tornam esta aldeia única em património natural e cultural. De dia, os tons escuros que a revestem encontram-se com os mistérios que lá perduram. Mas a iluminação da noite valeu-lhe o nome de Aldeia Presépio. Foi até ao século XX uma das terras mais isoladas do país, mas as lendas, as tradições e a história dão-lhe, hoje, vida. 

Fotografia de Sérgio Andrade: A Aldeia Presépio  
(http://www.aldeiasdememoria.com/piodao/)


Classificado como Imóvel de Interesse Público “o Piódão é um excelente exemplo do condicionalismo da natureza sobre o Homem e da possibilidade deste se adaptar aos espaços mais inóspitos e chamar-lhe lar”. É assim que é descrito pela Carta de Lazer das Aldeias Históricas, parceria entre o Inatel e as Aldeias Históricas de Portugal.

Com a chegada ao Piódão alcança-se uma vista inconfundível. Desde logo percebe-se que a “povoação apresenta uma distribuição em anfiteatro, pela encosta abaixo”, denota a Carta de Lazer das Aldeias Históricas. Escondida entre os castanheiros e carvalhos que avolumam a serra observa-se como a aldeia se ergueu dando a sensação que se trata de um bloco homogéneo em xisto “existindo uma harmonia em todo o conjunto urbano, entre a aldeia e a serra”, afirma a mesma. 


O Piódão

Mas o que provocou a fixação de uma povoação neste vale tão isolado? É acima de tudo um local privilegiado para as pastagens. Justifica a Carta de Lazer das Aldeias Históricas que seria para estas “que viriam os lusitanos com os seus rebanhos, local onde se podiam esconder dos romanos”.

A sua concentração levou a que na Idade Média fosse denominada por Casas de Piódam, onde os seus habitantes se ocupavam da agricultura e apicultura. A evolução para o nome actual resulta do “termo Pio ou Pia, relacionado com a topografia do local”, no entanto, corre a lenda que “um fora-da-lei fugiu para a aldeia e aí enviou uma carta à família, onde refere que estaria no pior do mundo”, resultando a designação de Piódão, afirma esta.

A sua inacessibilidade fê-lo, assim, lugar predilecto aos foragidos da justiça. Reza a lenda que nela se refugiou Diogo Lopes Pacheco, “o único dos assassinos de Inês de Castro que logrou escapar à fúria de D. Pedro” aponta Célia da Silva, autora do livro Piódão – Terras do Fim do Mundo.
A verdade é que ainda hoje existem os nomes Lopes e Pachecos nas famílias locais, dispõe o site oficial das Aldeias Históricas de Portugal.

No entanto, o Piódão só surge documentado pela primeira vez em 1527 com o Numeramento Joanino de D. João III, com o nome de Casall do Piódão por ter como residentes apenas duas famílias.

Perfeitamente encaixada no meio ambiente, a aldeia serrana adaptou-se ao declive acentuado. “Desde sempre o Homem aproveitou para a construção das suas habitações os materiais que tinham à mão”, aponta a Carta de Lazer das Aldeias Históricas. No Piódão a população dispunha do xisto, sendo que este “foi utilizado não apenas nas casas mas também nos telhados, nas ruas e nas construções públicas”, dispõe esta.

As casas de xisto do Piódão 

 Pormenor dos telhados das habitações

O único elemento que se distingue das construções xistosas é a Igreja Matriz da aldeia, construída no século XVII, no largo principal. Este é designado por Largo Cónego Manuel Fernandes Nogueira, em homenagem ao fundador do seminário da aldeia, que funcionou entre 1886 e 1906.
A acção do padre Manuel Fernandes Nogueira “não se limitou ao aspecto académico e cultural da povoação”, contribuindo, igualmente, para “o desenvolvimento da agricultura e silvicultura, criando na população laços estreitos de vida comunitária, e participando activamente no desenvolvimento da economia”, explicou Célia da Silva.

A Igreja Matriz da aldeia

É também neste largo que se situa o Museu do Piódão e os pontos de venda de artesanato característico da aldeia. A partir daqui, o percurso faz-se a pé pelas suas ruas pequenas e apertadas, com traços medievais, onde se evidencia o tipo de construção das habitações. 

As ruas pequenas do Piódão

As casas dispõem-se em altura e geralmente com dois pisos. Tendo sido desde os seus primórdios uma terra dedicada à actividade agrícola, o povo organizou-se.

Com funções distintas, o primeiro andar era amplo e servia de arrecadação, onde “se guardavam as lenhas, as batatas, o milho, o feijão, o azeite, as azeitonas e uma série de produtos que faziam falta ao dia-a-dia da casa”, explica a Carta de Lazer das Aldeias Históricas. No segundo andar “a madeira de castanho formava as divisões que constituíam a habitação da família”, afirma Célia da Silva.

As histórias desvendam-se ao passar das esquinas. Nas casas sobressai o pormenor do azul das janelas e portas. Relata a história que a única loja da aldeia só vendia uma cor, o azul, dada a sua inacessibilidade. No entanto, é sabido que “na Idade Média e Moderna, era comum pintarem-se os aros das portadas da cor do céu, o azul, e da terra, o castanho”, explicita a Carta de Lazer das Aldeias Históricas.



Já nas portas principais veem-se cruzes, para afastar as trovoadas. Célia da Silva afirma que todos os anos a tradição é cumprida. “No domingo de ramos os fiéis levam um ramo de oliveira para benzer e, nas noites de tempestade, fazem com ele uma cruz que é posta em cima das brasas da lareira ou na porta principal, invocando assim a protecção a Santa Bárbara”, declara.


Na visita ao Piódão não se é indiferente à gastronomia. A alimentação deste povo, desde sempre ligada à agricultura, deu origem a produtos típicos como a broa de batata. Ainda hoje permanece, no cimo da aldeia, a eira comunitária, onde se tratavam os cereais e produtos agrícolas para a alimentação.

Também o mel era o alimento de subsistência. Hoje, fazem-se as emblemáticas Cajadas do Piódão, confeccionadas com mel, nozes e castanhas, e a aguardente de mel e medronho. Já nas épocas festivas o povo cozinha o cabrito assado e a chanfana.

O percurso pelo Piódão e pelo meio envolvente evidencia da melhor maneira a adaptação feita pela povoação para lá subsistir. O Posto de Turismo da aldeia fornece aos visitantes o percurso pedestre, partindo do largo Cónego Manuel Fernandes Nogueira, onde se pode ver a Igreja Matriz (1), rumo às suas características ruas (2).

Descendo em direcção à ponte encontram-se as leiras (3), ou socalcos, que representam uma técnica de adaptação do homem perante as características montanhosas. Estas serviam não só para a actividade agricultura como também para proteger os incêndios e erosão hídrica. 

Estas levam às levadas (4) feitas em xisto. Estes canais transportam a água às leiras como técnica de rega aos cultivos. Junto a estas estão as palheiras (5), pequenas edificações. A sua importância prende-se pelo facto de ser difícil o transporte dos utensílios e produtos agrícolas para as zonas montanhosas. Divididas em dois pisos, o piso superior destina-se a guardar as palhas de cereais e o piso inferior para acolher os animais.

O percurso segue para a fonte dos Pereirinhos (6), utilizada pelos habitantes para se refrescarem pelo caminho, em direcção ao Capril (7), onde os habitantes se dedicavam a pastorícia.
O próximo destino é a Peneda da Sombra (8), zona onde a flora, de elevando interesse, é abundante.  Dos azevinhos ou castanheiros aqui existentes, observam-se o rosmaninho, a torga vermelha e o urze branca que predominam junto ao miradouro (9).

Prestes a regressar ao destino, o caminho faz-se pelos poisos (10), estruturas feitas pelo homem para “poisar” a lenha e afiar ferramentas, e pela eira comunitária (11).

Percurso pedonal Piódão-Peneda da Sombra (Posto de Turismo do Piódão)

8 de Maio de 2014



Entre o “azul do céu” e o “verde do vale” descobre-se o maior testemunho da era glaciar 

A neve intensa da época invernal é o principal motivo de atracção da Serra da Estrela. É o turismo de excelência quer para os amantes dos desportos de inverno quer para aqueles que simplesmente desejam apreciar o manto branco que cobre a serra mais alta de Portugal continental. Mas nos meses quentes e solarengos as opções turísticas multiplicam-se. Deixam-se os casacos para trás, opta-se pelos ténis, pela mochila às costas e parte-se à descoberta do que a natureza melhor oferece. A rota do vale glaciar do Zêzere, verdadeiro testemunho da natureza, pode ser feita a pé pelos mais aventureiros ou de carro desfrutando de uma viagem mais confortável.


Rota do Vale Glaciar (Estrela Green Tracks)

O vale glaciar do rio Zêzere tem treze quilómetros de extensão, sendo o maior da Serra da Estrela e um dos maiores da Europa. Este é para o Estrela Green Tracks, projecto de valorização e protecção da Serra da Estrela e Manteigas, “um dos melhores exemplos da modelação da paisagem pelos glaciares” em que “a sua forma em “U” deve-se aos gelos que formaram uma cúpula no cimo da montanha de onde divergiam línguas que escoavam pelos vales periféricos”.

Este fenómeno ocorrido há milhares de anos atrás derivou de neve que caiu e que se acumulou, tornando-se cada vez mais densa, denominando-se assim de neve compacta. Explica a Grande Enciclopédia Planeta que o fenómeno ocorre nas zonas montanhosas, em altitudes suficientemente grandes, em temperaturas baixas e precipitações abundantes dando lugar aos chamados glaciares de vale ou glaciares alpinos. Segundo esta, os glaciares “caracterizam-se por apresentar uma zona de acumulação da neve compacta na parte alta, que corresponde a uma depressão em forma de marmita denominada circo”, ou mais conhecida por covão.

De seguida, “o excesso de gelo é transportado vale abaixo e une-se aos vales tributários para formar uma língua que desce adaptando-se à topografia com um aspecto superficial muito quebradiço”.

Deste processo, na Serra da Estrela resultou o vale glaciar do Zêzere “tendo-se dissolvido a cerca de 680 metros de altitude”, conforme explicita o site Turismo Serra da Estrela.


Ilustração dos processos glaciários (Grande Enciclopédia Planeta)

Em pleno Parque Natural da Serra da Estrela, este percurso “encerra um conjunto de valores naturais e culturais de interesse inestimável” destacando-se os “inúmeros vestígios da acção glaciária e de uma vegetação natural com espécies endémicas e outras de distribuição rara, vestígios que assinalam a presença do Homem na região desde os tempos mais remotos” explica o projecto Estrela Green Tracks.

Vale glaciar do Zêzere

A biodiversidade é imensa com a chegada da época primaveril. Da flora é possível apreciar o teixo, o zimbro-rasteiro, o vidoeiro. Já na fauna predomina a lagartixa-da-montanha, a cobra-de-água, a gralha preta ou a truta.

Para quem prefere o contacto directo com a natureza pode fazê-lo através do percurso pedonal disponibilizado no site Turismo Serra da Estrela. São quinze quilómetros de descoberta percorridos em cinco horas. Entre cervunais e zimbrais, plantas dominantes na serra, a paisagem contempla-se “entre quadros que emolduram o azul do céu e o verde do vale”, dispõe o Estrela Green Tracks.

O percurso pedonal do vale glaciar do Zêzere é acompanhado por placas de orientação

Ao percurso é aconselhável o mapa turístico do Parque Natural da Serra da Estrela. Com tudo pronto para a partida, sai-se da torre, o pico da serra, com dois mil metros de altitude. Descendo pelo trilho assinalado aproxima-se o Covão do Ferro, onde se situa a barragem de Padre Alfredo. Pela íngreme encosta os veraneantes podem apreciar o Covão da Mulher que se dirige à Nave de Santo António.

Esta é actualmente um planalto situado acima dos mil metros de altitude mas foi outrora um glaciar com cerca de oitenta metros de altura. As rochas arrastadas do planalto da torre e que se lá depositaram formaram “esta paisagem de extrema beleza, de onde se destaca o Poio Judeu”, afirma o projecto Estrela Green Tracks.

A cobertura do terreno com a planta herbácea torna a nave, também conhecida por Argenteira, “um importante recurso para o gado” e em que nela é possível ver também um “fontanário e uma edificação utilizada pelos pastores como local de abrigo”, aponta o projecto da vila de Manteigas.

A descida pela estrada ruma ao Covão d’Ametade. Situado em área de reserva biogenética, esta depressão é “um pequeno paraíso terrestre onde a microfauna e microflora da serra revelam a sua formidável biodiversidade”, aponta o Estrela Green Tracks. A 1425 metros de altitude não passam despercebidos os seus imponentes cântaros graníticos. 



Panorâmica dos três cântaros

A nascente do rio Zêzere, no sopé do cântaro magro, transporta-o entre as rochas do covão percorrendo todo o vale glaciar.


Este circo glaciar está preparado para a prática de campismo, para quem queira merendar ou apenas descansar, pois a viagem não termina aqui. A jusante localiza-se o covão da Albergaria. Segundo Narciso Ferreira e Gonçalo Vieira, autores do artigo disposto no guia geológico e geomorfológico do Parque Natural da Serra da Estrela, “esta sucessão de áreas deprimidas e mal drenadas é típica de áreas de montanha sujeitas a uma glaciação, dando normalmente origem a pequenos lagos, que se distribuem ao longo dos vales”.

Partindo da nascente o rio Zêzere passa o Covão d'Ametade


Os espaços do Covão d'Ametade 

O resto do trilho pedestre faz-se pela longa garganta do vale que se dirige a Manteigas.


E se as cinco horas pedonais fossem reduzidas a vinte minutos? A experiência seria a mesma?

Para quem prefere uma viagem calma pode optar por fazer o mesmo percurso de carro, desta vez, pela estrada principal. Partindo do mesmo ponto, a torre, e descendo em direcção a Manteigas, é possível encontrar locais de estacionamento entre as curvas e contracurvas proporcionando, de igual forma, “uma vista magnífica sobre o vale glaciário do Zêzere”, de acordo com o site Turismo Serra da Estrela.

As paragens entre as sinuosas curvas permitem observar os “pastos verdejantes, os rebanhos de ovelhas, as casas típicas da serra – “cortes” e a vila de Manteigas perfeitamente encaixada no vale”, testemunha o projecto Estrela Green Tracks.

Parte integrante da paisagem são igualmente os cursos de água límpida e fresca à beira da estrada e nas encostas do vale glaciar.


Se não se deparou com a vegetação e espécies das zonas mais baixas do vale glaciar, conheça-as no centro interpretativo do vale glaciar do Zêzere em Manteigas (CIVGLAZ).

Situado na antiga casa dos guardas florestais, o edifício reconstruído disponibiliza “um simulador que recria uma viagem em balão de ar quente e leva os visitantes a recuar milhares de anos no tempo”, à era da glaciação, dispõe o site oficial do CIVGLAZ.

A par desta experiência imersiva, “os visitantes poderão obter mais informação sobre a formação do vale e o fenómeno da glaciação, sobre a fauna e flora locais e ainda aceder a um mapa interactivo com 16 percursos pedestres”, aponta.


Os ecrãs interactivos do CIVGLAZ

24 de Abril de 2014


Herança cultural coloca Castelo Novo nas Aldeias Histórias de Portugal

O programa das Aldeias Históricas de Portugal que surgiu no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio, com intervenção entre 1994 e 1999, pretende valorizar e promover o património e a história das Aldeias Históricas da região centro do país. Castelo Novo, freguesia localizada no concelho do Fundão, integra a rede do país e a sua história enreda-se em torno do castelo e da estrutura habitacional que o envolve concentricamente.

A conservação da cultura e da identidade, que é não só regional mas também nacional, são elementos cruciais nestas aldeias. Descrito no site do programa das Aldeias Históricas portuguesas, os pelourinhos, as igrejas e as Casas da Câmara “atestam o papel activo, das Aldeias no exercício dos poderes judicial, religioso e administrativo”. Também as muralhas e os castelos manifestam o “protagonismo decisivo das Aldeias Históricas, nos conflitos e estratégicas subjacentes à defesa e afirmação da nacionalidade”, dispõe o site da rede nacional das Aldeias Históricas.

O antigo Castelo Novo
Para quem visita a pé Castelo Novo apercebe-se da sua histórica calçada. É a estrada romana que “do fundo da povoação” ruma ao castelo, explica Vítor Pereira Neves, da associação dos arqueólogos portugueses.

É discutível, no entanto, se a origem da estrada é romana ou medieval, visto ser possível observar alguns trechos romanos e outros “em que se vê perfeitamente que foram pedras chouteadas a primeira vez, por cavaleiros da Ordem de Cristo, no tempo do Senhor Rei D. Dinis”, esclarece o autor.

Pela íngreme subida chega-se ao primeiro destino. O castelo, principal referência turística da aldeia é o fundamento do seu topónimo. A parceria entre o Inatel e as Aldeias Históricas de Portugal de onde resultou a Carta de Lazer das Aldeias Históricas ressalta que o seu nome deriva “do facto de terem existido dois castelos, sendo este, Castelo Novo, ocupado após o abandono do Castelo Velho, por ter melhores condições de defesa”. Foi doado no século XIII aos templários para que procedessem ao seu “repovoamento e fosse assegurada a posse dos domínios reconquistados aos muçulmanos”, de acordo com Joana Abrantes e Carlos Figueiredo, autores do livro "Castelo Novo".
                                                    Castelo de Castelo Novo

Estes cavaleiros da Ordem do Templo tinham como objectivo “evitar a profanação dos santos lugares”, declara Vítor Pereira Neves.

Estrategicamente construído, o castelo surge documentado, pela primeira vez, no século XIII, no reinado de D. Sancho I, que concede foral à freguesia atribuindo-lhe o nome de Alpreada.

Com a erosão do tempo, o que permanece do castelo é a torre de menagem, denominada de torre do relógio, e algumas partes da muralha. Pelas estreitas janelas abertas da mesma, que funcionavam como ponto de vigia, era possível observar-se os castelos de Monsanto, Idanha-a-Nova e Penamacor. Sendo o ponto mais alto da aldeia, os soldados facilmente davam o sinal de perigo e se protegiam.
                                                    A torre da menagem

                                                    Os pontos de vigia da muralha do castelo

Os veraneantes podem apreciar a vasta beleza paisagística que se vislumbra da vertente sul da Serra da Gardunha até Monsanto, Espanha e Castelo-Branco.
                                                   Muralha do Castelo

A sumptuosidade da Casa da Câmara
Os motivos de atracção turística actuais remontam aos reinados de D. Dinis e D. Manuel I. Ao renovarem o foral ao povoado, o primeiro “ordenou novo repovoamento, reconstrução do castelo e arborização com castanheiros”, e tendo o segundo ordenado a construção da Casa da Câmara e o pelourinho, conforme descreve Joana Abrantes e Carlos Figueiredo.

A Casa da Câmara é um ponto turístico de referência por representar a importância administrativa e política da terra que, outrora, foi elevada a concelho. Destinada a tais funções é também conhecida como o antigo Paços do Concelho. A “Domus Municipalis” tem um “brasão da coroa ladeado respectivamente à direita e à esquerda pela cruz de cristo e a esfera armilar, esculpida na fachada, ao cimo da escadaria, no balcão”, refere Vítor Pereira Neves.

Foi também lugar de prisão. Mas hoje, por entre as arcadas graníticas da Casa da Câmara encontra-se o núcleo museológico de Castelo Novo.
                                          Casa da Câmara

O pelourinho ergueu-se à frente da Casa da Câmara. Símbolo de autonomia municipal é “uma coluna de pedra, ou primitivamente de madeira, em sítio central e público junto da qual, outrora, se expunham e castigavam os criminosos”, esclarece Eurico de Ataíde Malafaia, autor da obra “Pelourinhos portugueses”.

De acordo com o que é descrito na Carta de Lazer das Aldeias Históricas, o pelourinho da freguesia “possui seis degraus octogonais, coluna sem base, fuste octogonal de superfície plana e com peça cilíndrica decorada com esferas armilares” e no capitel “existem esferas armilares e flores-de-lis”.
                                                    Pelourinho

A imponência rústica arquitectónica
Na arquitectura da aldeia, mais precisamente nas habitações, predomina o granito. Pelos seus caminhos estreitos e irregulares observam-se os imóveis cuja estrutura granítica se conserva. A Carta de Lazer das Aldeias Históricas descreve que as “edificações revelam na sua arquitectura, bem como na sua distribuição na estrutura urbanística, uma ocupação medieval intensa, da qual restaram na povoação quarteirões de formas e dimensões variadas, ruas com traçados sinuosos”.

Também os estilos das construções são diversos. No núcleo da povoação observa-se a Casa da Câmara, imóvel românico, apresentando uma “planta longitudinal, fachada principal voltada à praça, com dois pisos, tendo o piso inferior dois arcos de volta perfeita e um arco quebrado, prolongado em abóbora de berço”, denota a Carta de Lazer das Aldeias Históricas.

O imponente chafariz da Bica, monumento granítico, revela influências do barroco. Construído no reinado de D. João V apresenta “um espaldar rectangular, com duas pilastras, rematado por uma cruz latina biselada e o brasão de D. João V”, evidencia-se na Carta.
                                                    Chafariz da Bica

Actualmente em ruínas, a Casa do Comendador, construída no século XVI, sofreu influências arquitectónicas manuelinas e maneiristas. Também conhecida por Casa da Cerca mostra o “extraordinário trabalho de cantaria, de pedra aparelhada com junta seca, com pormenores de notável execução”, conforme a descrição de Joana Abrantes e Carlos Figueiredo.

A obra feita deste material, pedra rija, grande e esquadrada, é importante não só pelo registo histórico como pela tipologia de construção, visto tratar-se de uma habitação nobre para os “comendadores de Castelo Novo, freires militares da Ordem dos Templários e mais tarde da Ordem de Cristo”.
                                                   Casa do Comendador

A gastronomia e a lenda
Em Castelo Novo a herança cultural conjuga, também, a tradição e a lenda. Dita a lenda que a povoação foi atingida por uma epidemia de gafanhotos. Em desespero, os habitantes pediram auxílio ao Senhor Jesus, evocando a sua misericórdia, prometendo em troca realizar uma festa em sua honra. Conta a lenda que à saída da primeira procissão realizada os gafanhotos morreram todos junto à parede da capela do Senhor da Misericórdia. Assim, todos os anos é realizada a festa do Senhor da Misericórdia, no primeiro domingo de Setembro.

A gastronomia é, também, para o Programa as Aldeias Histórias portuguesas um elemento diferenciador da cultura regional. Os produtos da terra “são factores importantes na afirmação da genuinidade deste território”, aponta o site do programa. O queijo da serra, o cabrito, o borrego, o azeite os enchidos são marcas regionais que permanecem, ainda hoje, no quotidiano da população local.

A dinamização do turismo rural
O programa das Aldeias Históricas foi alvo de uma nova intervenção, entre 2000 e 2006, no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio, onde interveio também a Acção Integrada de Base Territorial “Acções Inovadoras de Dinamização das Aldeias”.

Maria Isabel Boura, coordenadora da Acção Integrada de Base Territorial, afirma que as intervenções levadas a cabo pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), entre 1994-1999 e 2000-2008, prendem-se com a “valorização do património e a divulgação da herança cultural”, o “envolvimento de parcerias alargadas na definição e desenvolvimento de projectos” e a “elaboração prévia de Planos de Aldeia, onde foram definidas as prioridades, os domínios de intervenção e a complementaridade das acções”.

A freguesia de Castelo Novo tem apostado na criação de melhores condições no património histórico, de modo a favorecer não só o turismo mas também para proporcionar aos visitantes uma melhor experiência. Sendo uma zona rochosa, no castelo foram colocados passeios para facilitar o acesso à zona e placas que fornecem um contexto histórico da construção.
                                                   Placa explicativa: Torre do Relógio

03 de Abril de 2014

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